Penedo naufragado
Era um ninho soberbo de
condores,
A terra onde eu nasci.
Terra Morta, Sabino Romariz (em 1908)
No Alto mar,
reclinado na
varanda das nuvens
-
como só os albatrozes lograriam -
distingue ele o
Penedo:
calhau impávido, a
cabeça altiva,
ergue-se diante das
ondas
que em seu derredor
estrondeiam.
No Alto mar,
mas no Mar das
encrespadas águas do Tempo,
neste oceano,
agitado, que a História é
-
é lá, é lá, que a penedia, solidamente, se finca.
E ele a vislumbra:
pedra monolítica,
íntegra, a rasgar as vagas,
beleza urdida por
uma raça de homens grandes
-Titãs,
gigantes de luz, de dons, de ideais, de venturoso devir.
No Alto mar,
então, essa pedra,
ele bem vê
-
em torno da qual a vida explode,
volteiam gaivotas,
evoluem os seres e tudo,
tudo é um bailado,
de sons, de odores,
de visões, de céus
azuis.
Entanto, sem prévio
presságio, eis que a mais negra escuridão
abate-se, despenca,
sobre o olhar do vidente:
turvam-se as
nuvens, decai a altura
-
submerge o Penedo naquele Mar onde jazia,
como uma página
emborcada, como uma hora que passou.
Ó deuses, ó santos,
ó mestres, quem por ventura saiba,
onde principia,
onde finda, esse Penedo agora naufragado?
Onde a grandeza,
tudo o que era bom e nobre e sólido e alto?
Onde a força que o
ergueu por sobre as águas?
Onde o poder atroz
que o arrastou para as profundas?
No Alto mar,
não mais no Alto
mar,
-
mas na praia baixa e vazia -
lança ele o olhar
em busca apenas de perguntas.
Preso à areia, sem
asas, as vestes rotas, indaga aos navegantes
e aos pescadores, a
todos que naquele Mar se aventure,
indaga ele sobre
aquele Penedo que seus olhos viram,
sobre a morte
daquilo que foi belo, mágico, inteiro.
Mas o Tempo nada
responde.
Não sabe ninguém de
tal catástrofe.
Ninguém vê, ninguém
recorda, ninguém alcança.
E o Mar da vida
prossegue, infinito, imutável, mesquinho, plácido.
Só ele, na praia
erma, chora a perda do que nunca foi seu.
Só ele a duvidar,
se houve Penedo, se grandeza houve, se ele há.
Só ele a afundar,
porque não sabe, não sabe mais:
o que foi, o que é,
o que será.
E ele só, finda no
areal, a escrever versos, naufragando
-
único naufrágio que houve.
Penedo, 22.03.2006
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