sexta-feira, 9 de setembro de 2011

Na passagem do 128º aniversário da Sociedade Monte Pio dos Artistas de Penedo

 
Ao sonho aqui erguido*

O sonho aqui erguido
não foi construído de pedras mudas.
Não tem chão, nem limites de paredes,
não tem portão, não se oculta em janelas.
O sonho aqui erguido
vaga invisível, flutua no vento, permanece,
vara o tempo, tudo permeia como na escuridão
arde a chama de uma vela.
Entanto, olhemos bem:
ele ainda pode ser pressentido,
ele ainda nos traz, de uma noite distante,
o alarido feliz dos nossos avós aqui reunidos;
indaga-nos por trás das velhas molduras,
das sombras cobra os projetos
daqueles que do Penedo o passado construíram.
O sonho aqui erguido
passou por tantas mãos, tantos cansaços, tantas fadigas
de mulheres e homens heróicos, pobres, visionários,
anônimos que sonharam este sonho
que adiante nos vislumbra.
Mãos que regeram trenas, réguas, compassos, partituras,
mãos que o mármore poliram, apregaram, lapidaram,
mãos que vibraram as cordas da maviosa lira,
mãos que tingiram de cores as paredes dos sobrados,
de ouro os portais dos templos, de luz os becos lamacentos;
mãos que produziram e prepararam o alimento necessário,
que escreveram na velha máquina da História
as cartas que agora jazem sobre a escrivaninha do presente.

Onde agora essas mãos?
Todas silenciadas.
Todas postas no passado.

Entanto, ouçamos bem:
o sonho aqui erguido ainda pulsa,
canta na voz do rio, troveja nas ladeiras,
sibila na curva do vento, acalanta no hino do passaredo,
soa nos clarins, nos trombones, nos bombardinos,
na banda e nos bandos de sonhos
dos velhos, dos jovens, dos meninos.

Sim, o sonho aqui erguido
segue, como tudo o que é etéreo,
envolto em brumas, indeterminado, infinito.
Morto, ele nos convoca e nos ensina
a subir a esse alto Monte
onde há mais de um século essa Casa foi erguida
canto de acolhimento, de caridade, de alegria,
de mútuo socorro, de abrigo na senilidade,
de amparo nas horas fúnebres.
Vivo, ele se perde, transmuta-se, se reencontra.
É o mesmo e ainda outro, morre e ressuscita
não se mede na altura de suas telhas,
não termina no umbral de suas portas,
ultrapassa a altitude das colunas que o sustenta,
invade as ruas, invade os crânios, outros sonhos levanta.

Sim, tudo invisível, tudo tão próximo e tão distante.

Sonhemos então, irmãos, amigos e convivas desta festa.
Mas sabeis, bem e depressa:
o sonho aqui erguido não repousa no sono
ele não é um trabalho de horas
ele dura uma longa insônia
ele precisa de mãos, ele precisa de amores
ele é minha vida e a sua
ele é a cidade, ele é o hoje, ele é o outrora
ele foi os seus pais, ele vai ser o seu filho
ele sempre começa, ele nunca termina.

Francisco Araújo Filho

* Poema recitado pelo ator penedense Fernando Arthur, na noite do dia 08.09.2011, durante a solenidade alusiva à comemoração do aniversário do Monte Pio de Penedo.