sexta-feira, 21 de dezembro de 2012


                                                Santa Magistratura
Vil putana de magistral estatura
rosa dentada da mega estrutura
má és, e aturas, a opressão fálica
de mil corpos sobre a tua decúbita pose;
falácia urdida nas cátedras da mentira
na verborragia pustulenta dos sofistas
dos palanques, dos marqueteiros, dos pícaros:
aceitas passiva o manejo dos mais rijos membros
das pólis, sempre tão dotados no defloramento
milenário dos estuprados, das curras, dos ânus
                                                                     [glabros
de todas as infinitas épocas, povos e burgos;
ergues sempre teu manto diáfano e falso
e esguichas teu jacto quente de urina
na cara de todos os inocentes que pereceram
infinitamente em todos os milenares morticínios;
és como os sepulcros apostrofados pelo Cristo
branca na fachada do riso, boca, lábios e siso
mas pútrida no âmago profundo da rósea vagina;
não lances sobre a Arte a tua cegueira falsa
– bem enxergas o reluzir do ouro e das propinas –
obscena, segue teu jogo de disfarces vários
ad infinitum, ipsis litteris, fazendo valer apenas
o argumentum baculinum, enquanto deixas cair
só sobre o lombo dos desvalidos
a vara rija da tua balança prostituída.

domingo, 9 de dezembro de 2012

                                    Querobéns
                                                                     Para Márcia Andrade
       Diante do pálido frontão
       estes meninos brincam
       sua profana-singela-sórdida
       brincadeira:
       – Querubim, eu querobéns!
       – São meus, são meus, querubim!
       – São meus, são meus, querobéns!
 
       (E há ainda os escapulários
       a contabilidade, o lucro, a renda
       o marketing, o luxo, o concílio, o coro
       a obediência, o código, o ego, o armário
       a coroa, a mitra, a irmandade, a prenda
       o imposto, o dízimo o anel de... ouro
       o báculo, o refletor, a maquiagem, o halo).
 
       Enquanto isso
       no mais escuro dos cubículos,
       por trás do frontão, do átrio, do palco –
       Deus jaz esquecido:
       centro mudo do humano labirinto.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Verso maior



           Tecendo a Manhã                            
                                     
                                    1

       Um galo sozinho não tece uma manhã:
       ele precisará sempre de outros galos.
       De um que apanhe esse grito que ele
       e o lance a outro; de um outro galo
       que apanhe o grito de um galo antes
       e o lance a outro; e de outros galos
       que com muitos outros galos se cruzem
       os fios de sol de seus gritos de galo,
       para que a manhã, desde uma teia tênue,
       se vá tecendo, entre todos os galos.


                                     2

      E se encorpando em tela, entre todos,
      se erguendo tenda, onde entrem todos,
      se entretendendo para todos, no toldo
      (a manhã) que plana livre de armação.
      A manhã, toldo de um tecido tão aéreo
      que, tecido, se eleva por si: luz balão.


           João Cabral de Melo Neto*

*poeta pernambucano (1920-1999); poema do livro “A Educação pela Pedra”.

sábado, 24 de novembro de 2012

Poemas do livro "Folhedo" (Continuação)

                                Ode ao trio elétrico
O povo está na rua, ó cidadãos pacatos
                  – fazendo ginástica –
                  os corpos banhados em suores
                  exalam odores axilares.
E pipocam tiros, quebram-se garrafas:
ao som da música simplista e barata
refulgem facas
narizes sangram
meganhas pisam
ancas indecentes
agridem a pudicícia hipócrita.
                 Ó arcanjos dos altares!
                 Ó padres, ó saudosistas, ó beatas!
                 Quanta descompostura é o povo na rua!
                 Quanta banalidade, quantos mausodores
                                                                    que audácias!
Não meu povo!
olha a decência!
– a cidade velha não está disposta
a tamanhas festas!
Muros velhos, descuidados, racham,
mocinhas donzelas octogenárias desmaiam histéricas,
frades turrões desconjuram:
                  “É Satanás, ó poetas mortos e fétidos!
                  Ó cultura incompetente, ó famílias nobres,
                                                                      ó falências!
                  Eyyyaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaaa!!!
                  Co-Cô-Co-Cô-Co-Cô-Co-Cô-Cô-Co-Cô-Cô!!!
                                                                        Satanás!”
Não meu povo
– criado nas procissões ordeiras,
ovelhinhas conformadas no rebanho –
olha a decência!
Não meu povinho!
tolerante, submisso, exangue, curto.
Não meu povinho!
patriarcal, fradesco, curralista, latifundiário.
Não meu povinho!
elitista, pseudo-luso-burguês, usurário, reacionário.
Não, não, não, meu povo. Caluda, basta!
                 Marcha, marcha, meia-volta!
                 Olha a ordem, meia-volta, volta!
                 Volta, volta, volta, e vem, e vai!
                 E meia-volta, volta, volta, e volta, volta!!!
             Ó conformismo católico, ó eficiência
               repressora e sacra! Ó canalha profana,
                                                                       ó magote!
                 “O costume das procissões encarna,
                 às maravilhas, essa solenidade
                 majestosa e lenta,
                 dissolvente dos frenesis coletivos” –
                 já dizia Elias Canetti.
Mas calhou que o povo está na rua, ó políticos,
                 ó CALHORDAS POPULISTAS
                 ó sábios e doutos
                 ó alienados, ó propinas
                 ó verdade
                 ó decadência...

O povo está na rua.
                 E aí... viva:
os rituais afros
o frenesi coletivo, báquico, tribal
libertador, catártico, histérico.
                 Viva:
as seitas protestantes, as possessões demoníacas
os terreiros de macumba
prostitutas do Camartelo
doidos de minha infância
o primeiro travesti
os sapateiros comunistas
                Viva!
Porque calhou que o povo foi para a rua
ó cidadãos pasmados
ó pseudos-aristocratas
ó intelectuais basbaques
ó carolas, ó condolências: entendam!

Inevitável. Urge cantar, cantar qualquer canto.
                É o novo-divino-trio-elétrico
                   detodososritmosbaianos
                                                     Amém, e basta.

domingo, 11 de novembro de 2012

 
 

                            Porque


                   Se apertares o gatilho
                   tua mão absolverá os culpados.
                   Sim, eles ainda estarão lá,
                   no teu modesto féretro,
                   dizendo, entre dentes:
                   – Nos livramos de um
                   inoportuno ingênuo incômodo.
                   E a maioria, infensa à grandeza do teu ato,
                   depositará,
                   sobre a lápide do teu túmulo,
                   apenas a palavra COVARDE.
 
                   Persiste mais um pouco,
                   irmão inoportuno, persiste.
                   Incomodando, espicaçando
                   com o teu simples ato de viver ainda
                   todos que lucrariam com a tua morte.
                   Persiste mais um pouco:
                   forte, íntegro e inabalável
                   como um rochedo.

quarta-feira, 7 de novembro de 2012


                                    Areias

Não,
a recompensa dos que lutam não será
ver tornarem-se em mel as areias do Grande Saara.
É chegado um tempo sem milagres.
Os magos e os mártires morreram todos.
Aos que caminham é dada a dor
de vencer as areias escaldantes.
Lutar é não morrer, caminhar.
Os suicidas que se sentem e esperem
e morram, silenciosamente em paz,
e não riam nem chorem diante da grande batalha alheia.
A caravana passa...
Caminhar, caminhar...
Cantar um pouco, que a planície é longa.
Maldizer o nosso Grande Deserto?
A beleza dos oásis e a insipidez das areias quentes
é um grande todo indiferente a tua ira
ou ao teu canto.
Caminhar, cantar...
Cantar, não nos confins plácidos duma ilha,
nas veredas verdes dos mosteiros,
prostrados parvos nas pedras frias das divinas aras
– cantar juntos pela estrada árida.
Os exilados voluntários que fechem os olhos
e os ouvidos e se calem –
e se tornem múmias lendárias.
A caravana passa...
Pequenos pingos de mel deixados cair na água-luta
não a tornará mais doce
– pensemos na grandeza do gesto;
pequenos pingos de luta-água na aridez
do deserto-incêndio não extinguirão as chamas
– pensemos na grandeza dos colibris.
Caminhemos, cantemos, tagarelemos, lutemos.
A luta passará um dia.
A caravana passa.
Tudo passa.

segunda-feira, 22 de outubro de 2012


Espera

                      Ainda não a combustão e a chama.
                      Ainda não iluminar-se.
                      Ainda não grandeza,
                      planar sobre altos cumes.
                      Ainda não o que vê por sobre.
                      Há muita dor nos que por demais
                      se projetam para o alto.
                      Há muita luz sobre os olhos expostos
                      dos que podem ver.
                      Não, não ainda o infinito.
                      Quando vier a morte, o corpo livre,
                      alma libertada,
                      quando a dor não mais fizer sentido,
                      então serei infinito
                      – mesmo que isto seja ser Nada.

                       “Tarda, tarda, oh hora,
                       sempre tão adiada”...
                       Enquanto isso, eu permaneço:
                       ofusco-me.
 
                                     Sacrário

                                                           Para o amigo Welington Batista Luz

                  Aconteceu, porém,
                  que chegado um certo tempo,
                  eu tive que matar Deus dentro de mim.
                  E assim vaguei solitário e indiferente
                  pelas ruas sombrias e pelas veredas...
                  E os anciãos, em seus corações
                  – que já viveram muito –
                  ao me verem passar, apontavam apiedados:
                  “Lá vai o jovem sem Deus!”.

                  No entanto, eis que uma noite,
                  eu seguia por uma rua erma
                  e a chuva veio.
                  Depois, um cão vadio passou por mim,
                  apressado e encharcado pelo aguaceiro,
                  no seu andar medroso e indefeso.

                  E foi assim, repentino, que Deus se revelou
                  para mim.
                  Este Deus novo, contudo,
                  não está em livro algum...
                  E eu sequer sei nomeá-lo, nem defini-lo
                  – pois ele habita, intransferível,
                  dentro do meu peito:
                  no mais profundo dos meus abismos.

domingo, 21 de outubro de 2012

Ariano Suassuna em Penedo (19/06/2012)

     Dando continuidade a projeto desenvolvido pelo SESC-Alagoas, o grande Mestre Ariano Suassuna aportou na nossa Penedo no dia 19 de julho de 2012, oportunidade em que ministrou uma de suas magistrais aulas-espetáculo. O evento, que aconteceu no nosso mais que centenário Theatro Sete de Setembro, marcou o reencontro desta lenda viva da literatura e da cultura brasileira com o burgo sanfranciscano, cidade que o autor pernambucano conhece bem, tendo, inclusive, ambientado seu romance “Fernando e Isaura” entre Penedo e Piassabussu.
     Concluída a palestra, em meio a bom número de pessoas presentes, nos dirigimos aos bastidores do palco da Casa de Carvalho Sobrinho para tentar conseguir, em um exemplar da obra mencionada acima, um autógrafo e, devemos confessar, não perder a oportunidade de registrar o momento ímpar de estarmos junto do Mestre.
     A empreitada foi mais difícil do que parecia. Ariano, no entanto, cortez e benevolente como só os realmente grandes podem ser, contrariando orientação de sua assessoria, nos recebeu e concedeu o desejado autógrafo, em momento registrado na foto abaixo.
     Obrigado Mestre!
 











   Foto: Eliana Cavalcanti
 
 
 
 
O autógrafo: registro de um
momento ímpar

Livro "Os Chicos", lançamento em Penedo (03/12/2011)

     Percorrer veredas, barrancas e cidades situadas às margens do Rio São Francisco para registrar, em imagens e palavras, a alma do grande rio da unidade nacional, foi a aventura a que se propuseram os mineiros Gustavo Nolasco e Leo Drumond.
    No percurso, os dois vieram recolhendo histórias, vivências, vidas e imagens que compõem um belo, metafórico e ao mesmo tempo antropológico painel do significado, importância e interferência do “Velho Chico” nas vidas de moradores que nasceram recebendo, já no batismo de suas águas, o emblemático nome de Francisco ou Francisca (Chicos e Chicas, como consagrado pelo uso popular). E assim, da nascente até a foz do São Francisco, cada cidade teve o seu Chico ou Chica como emblema, como fragmento desse mosaico construído pelos dois, cada um em sua arte, em seu ofício. No Penedo, quase no apagar das luzes de sua jornada, Gustavo e Leo escolheram dois Chicos: um certo Chico Araújo, poeta que não sabia (e até hoje não sabe) nadar, e o músico Francisco Moraes...
     O resultado do trabalho, que consumiu três anos das vidas de seus autores, foi registrado e reunido no livro Os Chicos Prosa e fotografia, publicado pela Nitro Editora (Belo Horizonte, 2011), tendo sido lançado nas principais cidades focalizadas, em momentos muito especiais que marcaram o reencontro do fotógrafo e do jornalista com seus personagens e consistiu na concretização de um compromisso assumido com cada Chico e Chica. A obra, de excelente qualidade literária, visual, gráfica e editorial, impressa em dois volumes (um registrando as fotografias tiradas por Leo Drumond e outro a prosa poética e jornalística de Gustavo Nolasco), teve prefácio do escritor Fernando Morais, e rendeu a Leo Drumond o Prêmio Jabuti 2012 na categoria fotografia, uma das mais importantes premiações que um autor pode receber no Brasil.
     O livro, portanto, não teve lançamento, mas diversos lançamentos, evento que aconteceu em Penedo na noite do dia 03 de dezembro de 2011, no mais que secular palco do Theatro Sete de Setembro. As fotos abaixo, tiradas por Leo Drumond, registram a beleza e a poesia dessa noite de encontros e alegria, podendo ser acessadas também no site Os Chicos (ver Links).

 
Livro "Os Chicos Prosa e Fotografia", editado em dois
volumes: o registro iconográfico de Leo Drumond (capa preta) 
e o registro literário de Gustavo Nolasco (capa vermelha)
 
O Theatro Sete de Setembro na noite do lançamento
 
 A seleta platéia durante o evento
 
Secretária de Cultura Eliana Cavalcanti, representando a
Prefeitura Municipal de Penedo (um dos patrocinadores
do lançamento), fala durante a solenidade
 
 Chico Fotógrafo (de Propriá-SE), Leo Drumond, uma das
coordenadoras do projeto "Os Chicos", Gustavo Nolasco,
Chico Araújo e Chico Moraes no palco do Theatro Sete
de Setembro, durante o lançamento
(Foto: Eliana Cavalcanti)
 
Autores e personagens, durante a sessão de autógrafos,
em foto registrada por Eliana Cavalcanti
 
 

O poeta que não sabia nadar

     Francisco Araújo Filho, desde criança, desenvolveu mais a habilidade com as mãos do que a correria com os pés. Seja jogando futebol de botão e escrevendo poemas ou deixando de jogar futebol de rua e não podendo se divertir no barro das chuvas.
        Garoto tímido, filho de mãe severa e pai amante dos livros, Francisco nasceu numa cidade carregadíssima de significados e conquista: Penedo.
       Esse pedaço de terra que pariu nosso Francisco viveu momentos decisivos da história brasileira. Foi em 1560 que os portugueses pararam por lá pela primeira vez, na perseguição aos índios caetés, acusados de literalmente comerem o bispo Sardinha. De povoado, virou a Vila de São Francisco para, um ano depois, ser dominada pelos holandeses e novamente trocar de nome: Maurícia.
      E como os livros já nos contaram, os batavos foram expulsos de todo o Brasil e a vida portuguesa voltou ao normal também em Maurícia, ou melhor, Penedo. Nos tempos modernos ficou o orgulho dos moradores pela beleza da cidade, um dos mais importantes e ricos conjuntos arquitetônicos do Brasil Colônia ainda preservados.
     E ali mesmo, na ambigüidade da liberdade proporcionada por um grande rio e o clima carregado de qualquer cidade histórica, que nasceu nosso Francisco, na década de 60.
   E nada melhor do que a combinação repressão/liberdade para marcar tanto os anos 60 quanto a vida de Francisco. Se de um lado vivia sob a timidez, a asma e o olhar repressivo da mãe que o impedia de viver solto nas ruas e no rio, conheceu a poesia e toda a possibilidade dada por ela para buscar, cantar e gritar a liberdade.
       Foi quando leu sobre a vida dos grandes poetas e assim as resumiu: “quase todas eram histórias de fracasso. Pessoas que fracassaram enquanto indivíduos na vida pessoal, mas deixaram obras que os imortalizaram”.
    Francisco viveu depressões. Mas desde a publicação do seu primeiro poema na Tribuna Penedense, iniciou uma vida de artista das letras, admirada em toda a cidade. Ele se tornou o Chico Poeta de Penedo. Escreveu livros e carregou o nome de sua terra por onde passava, inclusive, para os humildes alunos da escola de Betume – distrito da cidade sergipana de Neópolis, do outro lado do Velho Chico –, onde é professor.
     E se preciso for destacar uma curiosidade na biografia do poeta de Penedo, a principal delas está relacionada ao grande rio. Mesmo nascendo, crescendo, morando e trabalhando às margens do São Francisco, Chico Poeta nunca aprendeu a nadar, tarefa que precisaria da dupla habilidade mãos/pés.
     Parodiando o próprio Francisco Araújo, talvez esta seja uma mediocridade necessária em sua vida pessoal para se enquadrar nas biografias dos grandes poetas…
 
Gustavo Nolasco, em versão disponível no site Os Chicos (Livro publicado pela Editora Nitro, Belo Horizonte – 2011, páginas 145 a 148).
 
 
 
O Chico penedense nas lentes do fotógrafo Leo Drumond Prêmio Jabuti de Fotografia 2012
 
Francisco Araújo, o Chico Poeta, escolhido
por Gustavo Nolasco e Leo Drumond como
um dos Chicos ribeirinhos do Penedo
(Foto: Leo Drumond)
 
 
                                                                                                       Foto: Leo Drumond

                                                                                                      Foto: Leo Drumond

                                                                                                      Foto: Leo Drumond

                                                                                                      Foto: Leo Drumond

                                                                                                      Foto: Leo Drumond
 


                                                                                                Foto: Leo Drumond