sábado, 27 de dezembro de 2008


      Morte, do lado de dentro do avesso

Havia outra cidade por sobre
Captava, nas manhãs, madrugadas
Mágica invadindo, alma, alma
Uma felicidade sem porquê, intensa
Morreu esta cidade, dentro
Como um sol por trás do horizonte
Morreu magia, projetos futuros
Sonhos perdidos, ideais, morreram
Por muito duro esse caminho de nada
Sem dores, sem tragédias, sem vitórias
Sem amor, ideal, fé, certeza, inocência
Caminho sem caminho, via vazia, devastada
Segue, dura, inumano, inútil, fria
Havia outra cidade por sobre
Derruída jaz, só, de pedra
Só de vento, grades oxidadas, desmoronamentos
Memórias destruídas, passadas passadas ecoam ainda
Morto, morta, seguem, persistem
Inertes, apodrecem, dentro um do outro

sábado, 20 de dezembro de 2008


                  Na escória noturna

               Na noite da velha cidade,
               um ébrio desce uma rua torta;
               e entre um tombo e uma poça,
               o ébrio, do fundo de sua lucidez
               alcoólica, vê a cidade desmanchar-se.
               Dos sobrados mais altos caem rebocos,
               grades enferrujam, o Passado envergonha-se...
               O ébrio, que na paisagem cumpre apenas
               o seu risível papel de ébrio transeunte,
               interrompe, apesar do sono e da insônia,
               o seu torto caminhar, e indaga
               antes do providencial vômito:
               – Onde estão os donos destas casas,
               que dormem ainda, ante a iminência caótica?!
               Mas a cidade é silêncio...
               os donos das casas altas dormem
               ausentados, enquanto, próximo ao ébrio,
               dentro, a cidade cai, e morre...
               O ébrio, sem respostas, segue o seu caminho
               melancólico, afunda-se na noite e se dissipa,
               enquanto na escória noturna, esquecido
               sob uma marquise decadente, um mendigo,
               desperto pela indagação do pobre bêbado
               passante, ergue a cabeça, em meio às ruínas,
               segue, com o olhar, a solidão do outro,
               que acaba de tombar numa esquina.

sábado, 6 de dezembro de 2008


                       Nas ruínas

Por entre as paredes do velho casarão da Nilo Peçanha,
vagueiam as almas pobres dos operários;
voejam as cinzas da extinta chama de sonhos passados.
A alma do velho Antônio Pedro esgueira-se por uma fresta,
sua arte enorme a pesar-lhe como um fardo;
olha, às vezes, do velho sótão, a cidade mesquinha
que agora, mais do que nunca, não o vê.
Há também o eco das ladainhas dos católicos
que se ouve ainda nas noites de invernia,
quando o vento bate no muro morto.
O velho casarão da Nilo Peçanha ostenta ainda, lá no alto,
seus bustos, de um cego, de um velho surdo, de príncipes mudos,
que olham inutilmente tudo, e dizem, aos culpados transeuntes,
que aqui jaz um monumento, o túmulo, o testamento
de tudo que na cidade é morto.

12.09.93