quinta-feira, 16 de novembro de 2017











Dorme certeza

Há noites em que só a morte seria a solução.
Há noites em que sonhar não consola,
escrever um poema, gritar ou silenciar,
orar a Deus, ouvir uma música, chorar,
copular, anestesiar-se...
Há noites em que nada nos consola
da certeza de sermos apenas o que somos,
e a constatação dessa grandessíssima mediocridade
nos desperta, emergindo das profundezas medulares.

Mesmo em noites assim, entretanto,
é preciso adormecer
– para que na manhã seguinte
os vizinhos não descubram,
em nossas olheiras muito profundas,
nossas noites mal dormidas.

quarta-feira, 24 de maio de 2017

Homenagem ao Prof. Wilton Lucena


Necrológio
(Elogio fúnebre)

À memória do prof. Wilton Lisboa Lucena

Creio que foi o teu coração
que em meio a noite desandou
a ressoar em descompasso
– turvando o teu límpido sorriso,
abalando a firmeza dos teus passos.

Repentino, como uma onda que se erguesse
no instante exato em que o cais e a paisagem
esperavam apenas aquela placidez
que no peito trazias costumeiramente.

Então, algo se partiu.
Partiste.
Mas não antes de lutar
(que a tua calma escondia mesmo
a força de um mar):
"Aquieta-te coração!
Nada de estardalhaços.
Silêncio artérias do que sou,
da minha cidade e do meu destino
– eis-me completo".

E quando o silêncio se fez,
em meio a pressa de uma segunda-feira,
teu coração serenou finalmente.
Foste embora.
Porque tudo estava consumado
e nada mais – Deus sabe – era necessário.


Penedo, 23 de maio de 2017.


Francisco Araújo Filho

quinta-feira, 4 de maio de 2017

Poemas do livro "Folhedo" (Continuação)


                Insônia

                   No meio desta longa noite
                   é preciso deixar
                   todos os sonhos
                   todos os ideais acalentados
                   todos os projetos elevados
                   esvair-se pelos poros
                   – para que pela manhã
                   não acordemos loucos.

quinta-feira, 30 de março de 2017


              O espectro

      Numa destas grandes calçadas comerciais
      existentes no seio marítimo das cidades,
      vislumbro às vezes o espectro negro
      de todos esses assassinos
      que mataram prostitutas, devoraram cadáveres,
      atiraram em ídolos, estriparam velhinhas indefesas...
      E o espectro me olha por trás da vitrine,
      a sua sombra monstruosa perseguindo a minha, convidativa.
      Mas uma mãe cruza a esquina conduzindo uma criancinha
      e então eu paro e prossigo:
      normal, cotidiano, covarde e mesquinho,
      dissolvido como uma ameba na multidão.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2017

Verso maior










Poética


1. Que é a Poesia?                                               


uma ilha
cercada
de palavras
por todos
os lados.
  
2. Que é o Poeta?

um homem
que trabalha o poema
com o suor do seu rosto.
Um homem
que tem fome
como qualquer outro
homem.

Cassiano Ricardo*

*Poeta paulista (1894-1974).