quarta-feira, 7 de novembro de 2012


                                    Areias

Não,
a recompensa dos que lutam não será
ver tornarem-se em mel as areias do Grande Saara.
É chegado um tempo sem milagres.
Os magos e os mártires morreram todos.
Aos que caminham é dada a dor
de vencer as areias escaldantes.
Lutar é não morrer, caminhar.
Os suicidas que se sentem e esperem
e morram, silenciosamente em paz,
e não riam nem chorem diante da grande batalha alheia.
A caravana passa...
Caminhar, caminhar...
Cantar um pouco, que a planície é longa.
Maldizer o nosso Grande Deserto?
A beleza dos oásis e a insipidez das areias quentes
é um grande todo indiferente a tua ira
ou ao teu canto.
Caminhar, cantar...
Cantar, não nos confins plácidos duma ilha,
nas veredas verdes dos mosteiros,
prostrados parvos nas pedras frias das divinas aras
– cantar juntos pela estrada árida.
Os exilados voluntários que fechem os olhos
e os ouvidos e se calem –
e se tornem múmias lendárias.
A caravana passa...
Pequenos pingos de mel deixados cair na água-luta
não a tornará mais doce
– pensemos na grandeza do gesto;
pequenos pingos de luta-água na aridez
do deserto-incêndio não extinguirão as chamas
– pensemos na grandeza dos colibris.
Caminhemos, cantemos, tagarelemos, lutemos.
A luta passará um dia.
A caravana passa.
Tudo passa.

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