Minha pátria é onde os goiamuns
pressentindo o cair da noite
buscam as locas entre os mangues.
No meu país palustre
o peso das chuvas encurva os cajueiros
e o sol calcina lágrimas
E uma espinha de carapeba
arranha a louça do dia
que a língua do mar lambe.
Entre casas de maribondos
e caranguejeiras imóveis
a tarde me iluminava.
Eu soletrava a ferrugem
de navios sem nome que a lama
das lagoas mastigava.
Eu percorria as galáxias.
Fagulhas de estrelas caíam
nos coqueirais de tifo.
No chão das ilhas pegajosas
um planetário búzio avariado
guardava o aroma do mundo.
Minha pátria é a água negra
– a doce água cheia de miasmas –
dos estaleiros apodrecidos.
(Na cozinha, a boca alugada,
soprando carvões, fazia nascer
o fogo do dia).
Quando eu estava dormindo
e chovia no meu sonho, nos vales
caíam trombas-d’água.
A manhã raiante se manchava
do sangue escuro da raposa
morta no chão memorável.
Minha terra é o novo caminho
que o homem abriu sem querer
no capim à beira do arrozal.
Entre lagartos e caga-sebos
vi as horas caírem sobre as cercas
que afrontavam os relâmpagos.
Foi na infância que aprendi a ver-te,
ó sol que me ilumina. E um arco-íris
abriu-se entre arraias no céu pálido.
Foi na infância que aprendi a amar-te,
fêmea, que o meu espanto confundia
com as caranguejeiras.
No meu país de podres arquipélagos
um cardápio de barro sempre espera
meus irmãos opilados.
E, nos monturos, homens e urubus
na lei da livre concorrência, ganham
o pão que Deus amassa.
De cima das dunas eu via o mundo:
escória azul ao longe,
mar curvo de navios.
Como o universo era belíssimo!
A nuvem que roçava os trapiches
fulgia no celeiro das águas.
No fim dos trilhos da Great Western
entre balduínas sedentas
e dormentes cravados na água.
O branco farol de minha terra
clareava jaqueiras acocoradas
sempre grávidas como as lavadeiras.
Vindo das ilhas inacabadas
nunca aprendi a separar
o que é da terra e o que é da água.
Sempre juntei no mesmo prato
as espinhas dos meus peixes
e os sobejos dos meus sonhos.
Lêdo Ivo*
*poeta
alagoano (1924-2012); poema incluído na Revista
da Academia Alagoana de Letras – Nº 16,
período 1990/1998.