sábado, 31 de maio de 2008


                      Litanias de Sereia

Eu vi uma sereia.
Eu que tenho sido céptico,
racional, marxista e convicto...
eu, vi uma sereia.
E dela os cabelos eram longas tranças,
emergindo das ondas, seu torso nu
e sua cauda prateada recoberta de escamas...

Sim, eu vi uma sereia.
Eu que tenho sido abstêmio,
lúcido e irônico (com um pouco de ser triste)...
eu, vi uma sereia.
E ela tinha olhos verdes, ou tão lindos,
lindos de tal encanto que aquela noite toda sonhei
com belos gazofiláceos...

Eu vi uma sereia.
Eu que tenho sido frio (frio como o Ártico),
metódico, pragmático e absconso...
eu, vi uma sereia.
E os seios dela eram tão mimosos, porém
tão fartos, que neles adormeceria se os tocasse...

Ah, eu vi uma sereia.
Eu que tenho sido celibatário,
fugido das evianas artimanhas e das serpentes
de todos os ofidários...
eu, vi uma sereia.
E o seu canto era tão doce,
tão mais doce que todas as canções órficas
dos celacantos do Himalaia...

Desde então, tornei-me desumano.
Dei para andar desnudo,
flutuando por sobre os templos e os sobrados,
a dizer versos e a profetizar como um
certo santo italiano.
Desde então, abalou-se a minha credibilidade,
e os sólidos alicerces da minha cidade.

Porém sei que uma noite,
a sereia irá por fim embora
para as profundezas de uma mar distante
onde repousa o seu castelo de encantos...
O que será de mim então, ó meus irmãos?
Eu que tive a fantasia,
que quase, com minhas asas rotas,
elevei-me para além da vida e da morte,
o que farei dessa realidade triste?

Tendo passado o tempo,
tenho passado sorumbático e sem encanto...
e apenas, nas noites ermas de invernia,
penso ouvir ao longe uma voz doce
vindo dizer que apenas sobrevivi ao naufrágio
ou que finalmente pereço.

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