sábado, 14 de fevereiro de 2009


Última estrela
 
Argonauta da Pobre Deusa,
Do cais partido fiz-me ao mar.
E na noite alta vi nascer,
Por sobre o mastro solene
Da minha nau triste,
Ó minha estrela guiante, a tua luz.

Sim, foste o meu rumo e meu porto,
Meu abrigo, minha nobreza e salvação,
Archote heráldico a luziluzir no breu abissal.
Meu continente e meu levante,
Meu astrolábio, minha esperança e oblação,
Foste o pórtico altivo a fulgurar, lá no poente.

E assim, em meio às tétricas vagas elevadas,
Com minhas mãos frágeis e distantes,
Quantas vezes não tentei protegê-la
Das andantes negras nuvens sublevadas;
Quantas vezes, com voz débil e bailados loucos,
Não conjurei, na noite, a não obscurecê-la, a lua
E, ao meio-dia, a não apagá-la, o sol?

Contudo, caíste
Caíste e caíste, ó minha estrela...
Quando se deu tal prodígio,
Como foi possível empanar-se o teu fulgor?
Pois não foram as procelas, nem nuvens
Nem sol letal, nem lua tirana
Ou nada que me venha da fora noite:
Foi em mim que estás morrendo...
E por motivos tantos e por tão pouco,
Por muito longa navegação,
Por saber-me apenas mais um navegante
E pela imperícia da tripulação que tenho
– Capitão, marujo, escrivão, gajeiro – sido.

Ulisses-quase-náufrago,
Abandonado aos ventos e às calmarias,
Eis-me aqui por fim, a escurecer por dentro,
A aguardar indiferente rochedos altos,
E ilhas traiçoeiras dos mapas ocultos
Que possam fazer em pedaços o que resta
Desta nave inútil.

Ó musas,
Musas todas que velais do alto
Este naufrágio lento,
Dai-me, por misericórdia, finalmente
A escuridão do meu silêncio...

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