sábado, 15 de março de 2008

Do livro "Beco e labirinto" (continuação)


                       Terçã

        Nós, os meninos
        padecemos de grave doença:
        essa febre de consertar o mundo.
        Mas, que o nosso mal
        não provoque a insânia dos sanitaristas:
        a nossa febre tem cura,
        e a cura é a inevitável calma, da velhice.
        No mundo, abundam os casos dos recuperados,
        são estes saudáveis velhos decrépitos-reacionários,
        que num passado remotíssimo, tiveram todos os sintomas,
        do mal, todos os males.
        O tempo, porém, espera ainda.
        Aproveitemos então nosso delírio,
        com todos os devaneios,
        com todos os suores noturnos,
        com todas as insônias do mundo,
        com todas as quedas e escoriações possíveis.
        Breve estaremos também curados, calmos
        imbecis, tranqüilos, saudáveis, reacionários.
        A cura é inevitável e virá mesmo.
        Enquanto isso, aproveitemos:
        o mundo talvez não resultará melhor por conta disso,
        mas tamanho espalhafato servirá talvez
        ao menos, para a proliferação persistente do vírus
        (já que esta febre boba pode contagiar
        todos os impúberes, presentes e vindouros).
        E assim, no futuro
        quando a santa cura tiver por fim
        em nós se instalado,
        encontraremos um desses meninos contagiados,
        que do alto de sua febre apontará
        um dedo duro para a nossa cara reacionária,
        e dirá, bem revoltado:
        — Vós, que no passado quisestes consertar o mundo,
        não passais hoje de um velho imbecil,
        decrépito e reacionário.

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