Capa do livro "Folhedo";
foto do autor (janela da Pousada Colonial)
Prefácio
Aqui, versos prontos para viagens várias, para navegantes ou para transeuntes que, do cais, podem vislumbrar a paisagem... Por que a poesia é o outro lado da aridez, tentativa da construção do sonho, mesmo a partir da adversidade; sonho colhido nas palavras dos mestres, empreendimento sempre a ser compartilhado com o outro. Podem içar as velas...
Quantos
dos meus dias vãos
vagam
pelo meu passado em busca de utilidade...
Vejo-os
esquálidos-pálidos vagando por estações
nebulosas,
nevoentas, frias
–
esperando tristes vagões de dias vãos
que
chegam um após outro, intermináveis
como
ondas de um mar;
esperam
com ânsias a chegada de um dia feliz
que
traga boas novas, novidades, mutações;
esperam
resignados, como uma família espera
um
irmão que subiu na vida;
esperam
para abraçá-lo e deixar que a felicidade dele
mude as
suas insignificâncias,
sua
inutilidade e sua monotonia.
Desembarca
um novo dia:
correm
todos a vê-lo
e como
sempre, voltam tristes
e
sentam-se e esperam...
– Quem
sabe amanhã ele chega...
E
sentam-se e esperam e esperam. Esperam.
O poeta descia por uma rua,
absorto, escrevia por dentro um verso
sobre a cidade, sobre a vida, sobre o nada...
Seguia, assim, sabendo-se poeta.
O poeta descia por uma rua,
e numa esquina, a vida real,
um carro inútil, a vida inútil,
um carro real, a vida real,
colheu o poeta, plantando-o na parede.
O poeta não desce mais a rua:
jaz inerte na calçada;
a poesia que trazia dentro
escorrendo da cabeça, congestiona
o caminho das formigas.
Na manhã seguinte, estamparam-se manchetes:
um homem havia morrido, era muito distraído.
Um homem... um homem havia morrido...
A cidade real, concreta, que continuou na manhã seguinte,
nada sabia do poeta
(nem que ele havia deixado inconcluso um verso...):
apenas tinha pressa. Tinha pressa. Pressa...
O asfalto desvenda o mar
que invade uma rua
onde a multidão fervilha.
(Som,
um rosto,
contorcionismo,
batom)
De
repente, do fundo do mistério
de
todas as certezas,
emerge
o nada. Mil faces,
mecânicas,
anônimas, cheias
dos
mesmos planos que nunca saberei
quais
serão.
Dissolução.
No
momento pendurado por um fio
a
percepção do nada: dissolução;
nada,
nada – dissolução.