domingo, 29 de julho de 2007



Genésico*

No princípio
existia apenas um grande quarto
mergulhado em profunda escuridão.
Era um enorme quarto
cujas paredes estavam além do infinito.
Era um enorme quarto
sem porta nem janela de vidro,
profundamente vazio e cheio de vácuo.
Estava fora do tempo,
ou, simplesmente, não existia tempo entre suas paredes.
Mas, de repente, apesar de vazio, um espírito vagueia
sobre as águas do quarto não mais vazio.
Há milhões de anos no quarto sem tempo ele vagava.
Havia surgido do nada.
Talvez do vácuo imenso...
Com certeza ele não entrou pela porta existente
no quarto sem portas.
Com certeza ele não arrombou a janela de vidro
existente na parede do quarto sem paredes...
Simplesmente ele surgiu do nada.
E depois de tanto tempo, ele não gostou nada
da decoração de sua sala:
da escuridão infinita do seu quarto infinito;
da solidão infinita da sua existência infinita...
E num determinado momento de mau humor
ele resolveu modificar a monotonia:
para isso, antes de tudo, um teto
para o seu enorme quarto sem paredes;
depois, uma pequena esfera
redondamente sem forma e completamente oca;
uma lâmpada pendendo do teto
para iluminar a escuridão do seu quarto sem luz...
(Apesar de sempre ter vivido na escuridão,
ele gostou tanto da luz que se arrependeu
de não ter pensado antes em fazer o Sol e separou
as trevas da luz.
Assim, a partir desse momento, o quarto
passou a ter o tempo
a trazer os dias e as noites,
a envelhecer as coisas).
Quis também um piso onde pudesse secar os pés
da umidade das águas do mares
que cobriam o piso do quarto sem piso...
Feito isso, quis que do piso brotassem as ervas
e muitas árvores com deliciosas frutas;
quis também que o teto tivesse
milhões de buraquinhos
que piscassem durante a noite.
Depois, ordenou que as águas e as terras fossem
infestadas de animais, insetos e outros bichos
bem bonzinhos...
Por fim, finalmente, para curar a sua solidão
pensou em criar alguém semelhante a si mesmo
(apesar de ele mesmo não se assemelhar a coisa alguma);
pensou em criar alguém com quem conversar,
dar ordens e criar leis
para depois poder jogá-lo num foguinho
bem gostoso
descansou
bem gostoso...
até o dia em que a tal criatura muito cheia de si
pediu uma companheira para brincar de se esconder
e acabou comendo
a sua ma-ça-zi-nha...


*Poema assinado sob o pseudônimo João da Rocha.

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