domingo, 28 de outubro de 2007



O Tempo, a Mosca, e a Teia

Uma Teia de aranha balança lentamente
Grudada entre uma parede e o fio de uma lâmpada
Balança com o vento em movimentos quase rítmicos
Arfando na ânsia de sair da inutilidade
Arfando na ânsia de capturar uma Mosca inexistente
Voa em círculos nos pensamentos circulares de um cara
Parado entre uma parede e uma rua
Balança com o vento numa imobilidade quase rítmica
Arfando na ânsia de fugir da inutilidade
Arfando na ânsia humana de capturar um sonho
Enquanto (isso), no silêncio do espaço
Vestido de luz e trevas, perambula o Tempo
A comer as moscas e a matar os sonhos
A romper os fios da Teia e os cabelos do cara
Encostado na parede anos após anos envelhecida
Como as outras paredes que constituem a rua
Cheias de caras que sonham, de moscas e de teias...
No decorrer de um rápido ou longo instante
O Tempo transformará os sonhos, a inutilidade e tudo isso
Em nada...
Tudo e todos em nada...

Mas sem perceber o Tempo a passar rapidamente
Continuamos encostados numa parede, diante de uma rua vazia
Pensando numa maneira de fugir da insignificância
Arfando na ânsia de realizar nossos sonhos humanos
Enquanto observamos uma Teia inutilmente grudada
Entre uma parede e o fio de uma lâmpada
Balança com o vento em movimentos quase rítmicos...

sexta-feira, 19 de outubro de 2007



A Ilha Circunscrita (Marasmos)

Os dias são ondas crônicas no vaivém,
E a praia sempre está estupidamente vazia,
Cheia de tédio, solidão e só...
Nem um náufrago mal morto nela aporta,
Nem um farol vermelho brilha na noite morta...
Só ondas batendo pesadamente numa rocha surda,
E à noite, bilhões de lâmpadas com defeito
Piscando na cobertura da minha ilha...
Mas...
Pela manhã eu pesco nada e sonho,
Com a terra-continente que me sufoca
Com mil planos de fuga,
Que resultarão em tudo aquilo que nunca farei...
E então, continua todo do mesmo jeito:
As ondas crônicas,
A praia vazia,
O dia de pescaria...
E lá se vai minha vida,
De repente, numa noite feliz, quem sabe...
Se pelo menos ele fosse vermelho...
Minha ilha seria... inconcebivelmente diferente:
Não precisaria de náufragos,
Nem de faróis vermelhos,
Nem de sonhos, de fugas, nem de planos...

Mas ele não pára de cantar,
De ressuscitar esperanças mortas,
Não pára de não me matar,
De me encher de promessas não cumpridas
Como me fazem os que passam em seus navios
Ao anoitecer
Em pé sobre a praia,
Com a cabeça cheia de garrafas vazias,
Só me resta culpá-lo por todas as coisas
Que não aconteceram na minha ilha...
Maldito mar, simplesmente azul,
Simplesmente mar.

sábado, 13 de outubro de 2007











Re-Vis-Ando*

Leve ser alado
negro-anatômico-fisiológico
pousou numa linha
reta
morta
flutuante na atmosfera quente do sertão.

E eu espremo meus miolos
porque um urubu pousou num galho seco da caatinga
pra dar uma cagadinha!

(Pobre do Caeiro, que dizia:
“faço minha poesia como o levantar do vento”
— e se achava moderno).

Ser moderno é ser
Darkfazer construções aliterantes
anagramas shakespearianos, esdruxulismos verbais
construções plasmáticas, inversões filosóficas e...
merdas camufladas.

Será que ser moderno
é ser ultra-incompreensível?

Bibliografia.
Dicionário Ilustrado, Revisado, Aurélio Buarque
(onde averigüei o cunho vernáculo de um vocábulo).
Enciclopédia Sotádica Britânica.
Tabela de co-senos.
Bíblia Sagrada.
Amém.

*poema assinado sob o pseudônimo João da Rocha (um outro “eu” do autor,
de óbvia inspiração pessoana).

sábado, 6 de outubro de 2007



Deus Século XXI*

Em verdade em verdade irmãos, vos digo: oremos
ao Deus da nova era
ao Deus lógico do Big Bang, ao Deus cético
ao Deus sem barbas nem túnica.
Oremos ao Deus indecente, eroticamente nu
ao Deus sem forma nem formalidade dos cultos
ao Deus sem trono nem tribunal
ao Deus-álibe, ao Deus cúmplice.
Oremos ao Deus informe e desumano
ao Deus comunista? capitalista? político-corrupto?
ao Deus do livre arbítrio social
ao Deus do “que se matem”
ao Deus do “que morram secos de seca”
ao Deus do “não farás a SENA”.
Oremos ao Deus que não criou as sociedades
nem os céticos, nem os místicos, nem os comunistas
nem os capitalistas-políticos-corruptos
nem os assassinos, nem o Nordeste, nem a seca
nem os nordestinos.
Oremos ao que nunca fraudou a Previdência
nem a Caixa Econômica.
Oremos ao que não existe.
Oremos ao que só não existe no homem
(já que orar a nós mesmos tem sido constante).
Oremos à chuva, à terra lindamente ressecada, aos cactos.
Oremos ao Sol que é a seca que é Deus.
Oremos às matas e aos rios eternos
aos montes, cavernas, às estrelas que brilham
aos vermes, bacilos, minhocas e esquilos.
Ou melhor: oremos ao mundo
(já que esse Deus-não-egoísta não aceita bajulações
nem sair na capa da Times
e prefere o anonimato de suas auto-realizações).
Oremos à dúvida.
Oremos à capacidade humana de duvidar e destruir até
(pasmem!) os Deuses. Oremos
Mas em verdade em verdade, vos digo:
Deus nenhum lhes escutou ou escutará.
Irmãos racionais, irracionais e inocentes
oremos ao e para o Mundo.


*Poema assinado sob o pseudônimo João da Rocha.

Outras navegações















Aspecto da cidade de Penedo, vendo-se a Praça 12 de Abril (praça da Pousada) na década de 1930.

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Do livro "Ruas e rios" (continuação)

















O Salto*

Um João anda pelas ruas cheias de Zés e de Marias.
Anda pelas ruas que lhe levam a lugar nenhum.
João pega um ônibus e corre atrás de seus sonhos
(Que não andam de ônibus, voam)...
João vai trabalhar na sua decepção dos outros.
João bebe amarguras.
João, sentado na praia, conta as ondas inúteis do seu Mar
(Que está de ressaca)...
Na segunda-feira, João sobe num viaduto e não flutua no ar
(Como se fosse pássaro).
Quem é João? (caindo).
Quem foi João? (bateu, espatifou-se).
Um herói? Um poeta? Um louco? Um covarde?
Quem seria João?
Ninguém sabe...
Nem mesmo ele sabia.
Passou na vida procurando respostas:
Nas ruas, nos ônibus, na decepção, nos copos, à beira-mar...
João agora é uma mancha vermelha no asfalto
E uma manchete nos jornais.
Pobre João...
Agora João é as estrelas,
É as pedras e o ar,
Poeira, terra e micróbio,
Rio, cachoeira, fogo e mar.
João é partículas esparsas.
João ficou eterno.
João virou Deus.


*Poema assinado sob o pseudônimo João da Rocha.