quinta-feira, 10 de dezembro de 2020

Poemas do livro "Folhedo" (2011)



Capa do livro "Folhedo";

foto do autor (janela da Pousada Colonial)

Prefácio 


       O que fazer com a poesia quando o mundo é só desencanto? O que fazer com o homem, com a cidade, com o mar e com a história de tudo e das coisas que ficaram abandonadas no passado? Francisco Araújo apreende poeticamente esse estado das coisas e nos disponibiliza nesse seu novo trabalho, através de uma lírica negativa, uma atitude íntima e espectral. 


          [......]
          O livro se divide em três “mergulhos” marcados por uma subjetividade em crise – o primeiro, “Outonais”; o segundo, “Ofertadas” e o terceiro, “Verdejantes” –, reagindo a certa tirania estética, presa à memória pelo passado e pelo vivido. [...] O sujeito-poético avança nessa quebra de coerência dos “mergulhos”, apropriando-se, por várias vezes, de significados da mitologia grega – “Ó Caliope, pobre Deusa”, por exemplo – para fazer o “jogo do demoníaco” ou “uma disputa aberta do sentido, uma luta, um choque de interpretação”, como afirma Affonso Romano de Santana (2003), ao tratar dos processos intertextuais.
          [......]
          Francisco Araújo, alçando seu vôo para alcançar maior visibilidade no sistema literário em língua portuguesa, deve ser lido e apreciado, como afirmou Ferreira Gullar (2006) por outros caminhos, como “o poeta [que] fala dos outros homens e pelos outros homens mas só na medida em que fala de si mesmo, só na medida em que se confunde com os demais [rompendo] os limites da solidão, ainda que seja abismando-se nela, transcendendo-a por baixo.”

Prof.º Antônio José Rodrigues Xavier* 
*Trechos do prefácio do livro "Folhedo"; o Prof. Antônio R. Xavier é doutorando em Letras e Lingüística pela Universidade Federal de Alagoas – UFAL.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2020


                  No silêncio da madrugada

 

                          No silêncio da madrugada

                          ouço passos na estrada...

                         É chegado o momento dos versos findos,

                         entanto, ainda assim,

                         prossigo o meu caminho

                        – rumo ao nada. 




Terminais

Quantos dos meus dias vãos

vagam pelo meu passado em busca de utilidade...

Vejo-os esquálidos-pálidos vagando por estações

nebulosas, nevoentas, frias

– esperando tristes vagões de dias vãos

que chegam um após outro, intermináveis

como ondas de um mar;

esperam com ânsias a chegada de um dia feliz

que traga boas novas, novidades, mutações;

esperam resignados, como uma família espera

um irmão que subiu na vida;

esperam para abraçá-lo e deixar que a felicidade dele

mude as suas insignificâncias,

sua inutilidade e sua monotonia.

 

Desembarca um novo dia:

correm todos a vê-lo

e como sempre, voltam tristes

e sentam-se e esperam...

– Quem sabe amanhã ele chega...

 

E sentam-se e esperam e esperam. Esperam.



quarta-feira, 2 de dezembro de 2020

 


                       Uma morte na cidade


           O poeta descia por uma rua,

           absorto, escrevia por dentro um verso

           sobre a cidade, sobre a vida, sobre o nada...

           Seguia, assim, sabendo-se poeta.

           O poeta descia por uma rua,

           e numa esquina, a vida real,

           um carro inútil, a vida inútil,

           um carro real, a vida real,

           colheu o poeta, plantando-o na parede.


           O poeta não desce mais a rua:

           jaz inerte na calçada;

           a poesia que trazia dentro

           escorrendo da cabeça, congestiona

           o caminho das formigas.


           Na manhã seguinte, estamparam-se manchetes:

           um homem havia morrido, era muito distraído.

           Um homem... um homem havia morrido...



            A cidade real, concreta, que continuou na manhã seguinte,

            nada sabia do poeta

            (nem que ele havia deixado inconcluso um verso...):

            apenas tinha pressa. Tinha pressa. Pressa...

sexta-feira, 30 de outubro de 2020

 


Na multidão (dissolução)

 

O asfalto desvenda o mar

que invade uma rua

onde a multidão fervilha.

 

(Som, um rosto,

contorcionismo, batom)

 

De repente, do fundo do mistério

de todas as certezas,

emerge o nada. Mil faces,

mecânicas, anônimas, cheias

dos mesmos planos que nunca saberei

quais serão.

 

Dissolução.

No momento pendurado por um fio

a percepção do nada: dissolução;

nada, nada – dissolução.