A Severa Voz
Ó vós, que
açoitais o ermo das madrugadas,
quem vos
autorizou o canto?
Pobre,
obtuso, lerdo para o êxito nos lidames
do vosso
prosaico dia (sórdido palco em que habitas),
eis que já
dura por demais a vossa altiva récita.
Muitos,
mesmo dentre os vossos pares, ensurdeceram...
Morto vosso
pai, vossos tios, vossos avós
– raízes
desentranhadas, vendaval, quem sois?
O tempo
vil, a fome, este pesado corpo,
a vida
vilã, roubaram lentos
a luz que
houve um dia em vossa fronte.
Tão frio,
escasso – o vosso coração – dói ainda:
uma brasa
quase morta.
Ainda
tendes o direito?
Trazeis
ainda a senha?
(Além, há
silêncio sobre as papoulas plácidas,
pingos de
estrelas nas calçadas
e um
hipocampo rubro acaba de cruzar o céu
sob olhar
dos abismados astros – vedes?).
Ah, é
preciso ser mais louco...
Irmãos,
companheiros neste parco-inútil alarido:
vede, como
é desumano cantar qualquer canto
– como
mentimos!
O que
responder:
mais
verdadeiro ficarmos mudos.