"O beijo dos palhaços", óleo sobre tela do artista plástico sergipano (Neópolis-SE) Deolando Vieira.
Aqui, versos prontos para viagens várias, para navegantes ou para transeuntes que, do cais, podem vislumbrar a paisagem... Por que a poesia é o outro lado da aridez, tentativa da construção do sonho, mesmo a partir da adversidade; sonho colhido nas palavras dos mestres, empreendimento sempre a ser compartilhado com o outro. Podem içar as velas...
terça-feira, 16 de junho de 2015
terça-feira, 2 de junho de 2015
Poemas do livro "Folhedo" (Continuação)
Inquirição da Musa
Musa,
por que vens perturbar minhas madrugadas?
Musa,
submerso na noite, há pouco eu dormia, profundamente,
e
sequer sonhava;
Musa,
por que então, sorrateira, insinua-se a tua voz
em
meu repouso, a me exigir o verso?
Musa,
o mundo há muito jaz perdido e nada do que eu escreva
mudará
esta verdade;
Musa,
ontem havia pessoas morrendo nas calçadas – de fome,
de
frio e de falta de vontade – e eu estava por demais apressado,
sobrevivendo,
como todos os outros, para sequer me dignar a
[olhá-las;
[olhá-las;
Musa,
como posso então e ainda erguer esta covarde pena
para
falar de igualdades?
Musa,
nesse exato momento, suspeito já do que disse – por ter dito
apenas para não calar, pois pedir desculpa me tranquiliza
[a consciência;
[a consciência;
Musa,
há muito tempo me conheço por demais
para
mentir para mim mesmo – e descreio de tudo, e continuo...
Musa,
eu: um cínico, há muito tempo...
Como
podes (e como posso) ainda assim crer em mim, Musa?
Musa,
de onde vens?
Por
que eu escolhido para quebrar o frio e calmo silêncio
desta
enorme sonolência?
Musa,
da tua ingenuidade, quem te ampara?
Musa,
quem me livrará da tentação de escrever estas palavras
apenas
para elevar-me para além dos outros?
Musa,
há muito tempo suspeito que é assim, e nada,
nada
me consola o nojo;
Musa
por que devo ser eu esse falador inútil, a impregnar
os outros com esta minha importuna mesquinha tristeza
[verborrágica?
[verborrágica?
Musa,
vê, já a manhã desponta por entre as frestas do telhado
e
logo será preciso erguer-me para encarar a vida. Então Musa,
o que
serei amanhã?
Musa,
amanhã estes versos risíveis talvez me insultem
apenas
a ironia e nada de meu reconhecerei neles.
Musa,
por vingança, eu posso rasgar esta página
que
em silêncio subtraíste já do meu tranquilo sono.
Musa,
voltarás amanhã?
Pois
que voltes.
Volta,
volta. Serás bem-vinda.
E
para que esta tua visita não seja de todo inútil
eu te
digo:
estou
só no mundo,
sou
fraco
– e
esta tua indesejada companhia
é só
o que me salva.
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