Canto ofertado
aos que para cantar sempre vieram
(E foram céus, e foram mares, foram penedos)
Sim,
poderia ter sido vós, minha irmã.
Sim,
poderia ter sido vós, meu irmão.
Mas
recaiu sobre mim (sem que me fosse pedido),
Ser
só erguido, uma noite, sobre a cidade calma.
E
do alto obscuro e magnífico da tormenta
–
Eu, o fraco, o triste, o sem desejo;
Eu
que não vou, nem permaneço;
Eu,
o perdido no vento e nas páginas do tempo –
Ver!
Ver! Ver!
Ver
as pedras serem erguidas para a construção dos
[templos,
Ver
os holandeses em suas caravelas e os Caetés,
[às margens do Opara, cantando;
Ver os quilombos dos fugitivos e os sete engenhos do São
[Francisco,
Ver
os currais e os franciscanos, com seus buréis, antigos;
Os
Lemos, os Leais, os Barros, os Calixtos,
As primeiras procissões e as mãos que talharam as faces
dos
[cristos!
E
assim, ébrio das visões dos tempos idos,
Coube
a mim levar sobre os ombros frágeis, desnudos,
O
peso da Tradição e do Destino,
A
escuridão de todas as solidões e o Sol bendito;
Ser
Romariz, e ser de Barros, o Fernandes,
O
trono do Barão e a boemia de Juca (o “Palito”),
Os
versos de Ignácio e as histórias dos Batingas;
Ser
Carvalho Sobrinho e ser Catarino,
Ser
Antônio Pedro, ser os Phidias, ser Cesário,
Portos,
Santa Ingrácia, o sino matutino...
Tudo,
em turbilhão, em cor, em Luz, em carne e em Espírito.
E
morto mil vezes, mil vezes ressuscitado,
Agora
trôpego pelas calçadas, pelas sarjetas, sou ainda
[Sabino
E
sou Castanha...
As
mãos de Higino, as telas e os pincéis dos Santos,
[dos Moreiras, dos Silvas,
O Estandarte da Companhia, sendo Dionísio e as máscaras
do
[divino,
As
pedras do rochedo e a morte anunciada do rio peregrino;
Sobrevivo nos Mauricinhos, nas Graças, nos Chicos, tantos
[anônimos,
Sendo Freire, sendo Domingues, sendo Oliveira – como foi
[Ernani,
Foi
Maurício Gomes – e Hildo Machado em sua cadeira,
Ah,
sendo uma coletânea inteira!
A
mim, a mim, meus irmãos
Coube berrar nos teatros e nas praças, diante das
plateias
[mudas
Tudo
o que foi – e não mais será.
Tudo
o que poderia ter sido – e não é.
Tudo
o que canta e chora, todo o instante passado e o agora.
Tudo.
Perguntais
quem sou, perguntais quem sois.
Eu,
vindo do circo e das arenas,
Fiz
os espetáculos, toquei a música triste e serena,
Pintei
as telas, a face de Maria para as novenas,
Fiz os versos e as histórias que ninguém presenciou nem
[acredita.
Eu,
o pensante, o louco, o livre, o futuro, o eremita;
Eu
o artista, o som da lira indolente
Que
canta junto às pedras, na voz do rio.
Luz dos céus, fronte de nossos avós, fibra dos que não
têm
[medo,
Eu
que cantei canções inúmeras, e também essa, além:
“Eu tenho uma estrela suprema de Artista
E tenho uma glória que muitos não têm”
Sou eu, sou eu, lembrai: que eu sou
vós, e que vós sois
Eu...