Aqui, versos prontos para viagens várias, para navegantes ou para transeuntes que, do cais, podem vislumbrar a paisagem... Por que a poesia é o outro lado da aridez, tentativa da construção do sonho, mesmo a partir da adversidade; sonho colhido nas palavras dos mestres, empreendimento sempre a ser compartilhado com o outro. Podem içar as velas...
sábado, 24 de novembro de 2007
Ponto da Alma
Existe em mim uma praça
onde sento minha alma para descansar
de todas as lutas que nunca travei
e crianças vêm brincar incansáveis
como pássaros ao amanhecer.
Onde me banho de luz
e pondero o peso
da minha pedra-cruz.
Onde parei no tempo vezes tantas
que já nem sei se sou
hoje ou amanhã.
Onde vago pelo passado
(mesmo o que não mais existe decerto)
e ouso traçar pálidos planos,
linhas, curvas e retas
para o meu incerto caminhar.
Existe em mim uma praça
que me espera todas as noitese onde o tempo passa para me envelhecer.
sexta-feira, 16 de novembro de 2007
Longe do mar
Nas esquinas das ruas interiores,
existe sempre um anjo
e uma fera também;
velhos de plácidas barbas brancas
e jovens revolucionários.
Velhos como um rio já passado,
velhos cansados da luta com um mar só seu;
um mar sempre terrível e revolucionário,
como seus jovens filhos.
Filhos revolucionários de velhos pescadores
cansados da luta:
da luta com as feras das veredas ancestrais,
da luta com a placidez dos anjos templários.
Nas esquinas das ruas interiores,
há sempre um guerra e uma paz;
uma trégua precária consigo mesmo,
uma guerra terrível com os demais,
uma paz eterna e imutável
e um acenar inevitável de bandeiras rubras.
Nas esquinas das ruas interiores,
há o que existe em todas as ruas do mundo:
velhos, feras e revolucionários,
rios, templos e anjos plácidos,
lutas, tréguas e bandeiras vermelhas.
Nas esquinas das ruas interiores,
há sempre um poeta que fala de ruas
e alguém que vai à luta contra
o mundo, também.
sábado, 10 de novembro de 2007
Grãos
Um grão de areia perdido na praia observa as ondas
que vêm-e-vêm encharcá-lo de monotonia.
Se ele fosse o mar seria feliz.
Se ele fosse o sol.
Se ele fosse um homem.
Se ele falasse, se ele gemesse, se ele gritasse.
Se ele morresse.
Se como uma Deusa, uma moça nua, de pés descalços,
andando na praia, sobre ele pisasse —
seria feliz...
Mas o sol se põe tristonho,
o mar monótono geme baixinho na penumbra
e um homem calçado caminha calado pela praia vazia.
Se ele fosse um grão de areia...
como seria feliz!
sexta-feira, 2 de novembro de 2007
Do livro "Ruas e rios" (continuação)
Apolo Zero
um astronauta flutua pesadamente no espaço
move-se em câmera lenta
nadando no vácuo imenso
procura atingir uma nave
fixa e tão próxima que até parece
inatingivelmente distante
como a Terra lá embaixo
azul e girando lentamente
um homem desce uma rua
pesadamente vazia
flutua no vácuo imenso
procura atingir o nada
flutua e gira e anda
pela rua azul de luz
anda pela rua vazia
sua solidão é igual a do astronauta
flutua em câmera lenta
no espaço da rua vazia
que ouve o grito e o silêncio
que o homem traz por fora e por dentro de si
onde está a minha Terra azul de sonhos?
lá embaixo, girando lentamente?
onde está minha nave inatingível?
acordo sem respostas!
com as imagens esfriando nas retinas...
noites e noites tenho sonhado
com meus passeios noturnos por ruas vazias
e com um astronauta flutuando pesadamente no espaço
move-se, em câmera lenta
eu desço por uma rua vazia
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