sábado, 29 de novembro de 2008


            Pássaros presos

           Era preciso voar mais alto, meus irmãos.
           Vencer as alturas, conspurcar os cimos,
           reconstruir a cidade, desempanar o sol.
           Prendem-nos entanto estas asas rotas.
           Rastejamos terrestres impotentes,
           arranhamos na areia tétrica
           nossas pobres asas.
           O que será de nós, meus irmãos,
           pássaros presos...
           Nossa única grandeza
           esta consciência dolorosamente suportada
           de nossas asas atrofiadas.
           A possibilidade, talvez, de traçar
           num grandioso vôo raso
           uma ponte,
           entre esta geração exangue
           e uma nova revoada.

sábado, 15 de novembro de 2008


                    Dos bons frutos

Bem-aventurados os bons frutos
que morrem ainda na floração
Levam a pureza imaculada e indômita dos pomares.
Antes da mão,
antes do lucro,
do paladar,
antes da dor,

antes do vil amadurecer.

sábado, 8 de novembro de 2008


                As ervas, e as flores

    As ervas daninhas comandam o pomar,
    sobem pelos muros, invadem os canteiros,
    crescem, abundam, vicejam nas terras mais férteis,
    apossam-se das sombras e das águas mais frescas.
    As ervas daninhas dominam as hortas,
    truncam a seiva benfazeja, sugam, devoram, asfixiam,
    determinam o êxito das safras, os grandes lucros das colheitas.
    As ervas daninhas erguem-se nas alturas,
    assentam-se nos mais altos postos,
    erguem cercas, proliferam nos latifúndios.

    As ervas daninhas regem o tudo,
    e assim, em volta delas,
    gira, interminável, o mundo...

    Mas, as flores, as plantas úteis?
    São absurdos da delicadeza,
    são erros malnascidos,
    que excluídos o acaso fez nascer
    por entre a ramagem malfazeja.

sábado, 1 de novembro de 2008

Verso maior


                    DELÍRIO

      Nua, mas para o amor não cabe o pejo
      Na minha a sua boca eu comprimia.
      E, em frêmitos carnais, ela dizia:
      — Mais abaixo, meu bem, quero o teu beijo!

      Na inconsciência bruta do meu desejo
      Fremente, a minha boca obedecia,
      E os seus seios, tão rígidos mordia,
      Fazendo-a arrepiar em doce arpejo.

      Em suspiros de gozos infinitos
      Disse-me ela, ainda quase em grito:
      — Mais abaixo, meu bem! — num frenesi.

      No seu ventre pousei a minha boca,
      — Mais abaixo, meu bem! — disse ela, louca,
      Moralistas, perdoai! Obedeci....


                                Olavo Bilac*

                                                    *Poeta e jornalista carioca (1865-1918)