Aqui, versos prontos para viagens várias, para navegantes ou para transeuntes que, do cais, podem vislumbrar a paisagem... Por que a poesia é o outro lado da aridez, tentativa da construção do sonho, mesmo a partir da adversidade; sonho colhido nas palavras dos mestres, empreendimento sempre a ser compartilhado com o outro. Podem içar as velas...
segunda-feira, 30 de abril de 2007
sábado, 28 de abril de 2007
Estrela Morta
Um dia (ou será “uma noite”?) uma estrela brilhou
no teto de minha ilha.
Um brilho dourado que por um momento
preencheu todos os meus vazios.
De repente ela me sufocava na sua luz de doces odores,
na sua luz de pele macia de seda,
na sua luz de lábios e sons sensuais...
De repente ela penetrava na minha cabeça
acendendo minhas noites de insônia,
e me fazendo sonhar.
Sonhar tocá-la na sua mais longínqua intimidade.
Sonhar possuí-la.
Sonhar não mais ser nada.
Sonhar não mais ser inútil.
Sonhar que de repente a luz não se apagara...
Eu fechei os olhos e joguei as chaves na impossibilidade.
Eu matei a luz em tímidos assassinatos,
e a luz nunca mais voltou a brilhar para mim...
Eu matei a mágica, e assim morreu a magia...
De repente, as minhas noites continuaram
escuras, frias e solitárias como sempre serão.
terça-feira, 24 de abril de 2007
sábado, 21 de abril de 2007
Do livro "Ruas e rios" (continuação)
O segundo
Aldren, um sonhador metálico
que foi à Lua com Armstrong,
ao voltar
(coberto de glórias pela deslumbrada humanidade),
recebeu do seu velho pai capitalista
esta pergunta estupenda:
— Por que você não foi o Primeiro?
Aldren (e ele era um astronauta) não respondeu:
abriu uma garrafa de whisky e envelheceu
gole após gole
a sua decepção...
Preconceito
Numa mesa de bar,
com Beto e Luciano.
Não olhes a cor,
não ponderes a raça.
Sinta antes o sangue quente
que corre pela superfície escura
e inevitavelmente consome-se.
(Veja o tempo lá fora como passa
e a pele como lentamente enruga-se).
Esqueça aqueles conceitos
que lhes esperam os velhos
— pois é chegado um tempo
em que as cores nada valem,
e onde até os homens
precisam da dor
para valerem.
17/10/92
quarta-feira, 18 de abril de 2007
Realidade
Um dia, quando já quase acordava,
vi no quintal dos meus sonhos crianças imóveis, paradas.
Algumas escuras e magras como a noite nua.
Outras claras e pálidas como um morto dia.
Perguntei, cheio de espantos, de onde vinham.
Responderam todas:
— Somos da Realidade, onde sonho não vai não.
E mesmo os que guardamos escondidos, em um lugar
[que só nós sabemos,
leva-os embora dona Vida, uma velha feia e fria.
Por isso ficamos aqui, olhando os sonhos que sonhas
e comendo os restos dos que jogas fora...
Deixas?
Deixei, e fiquei olhando com tristeza aqueles meninos nus
que comiam gulosos o lixo do meu quintal junto com os urubus.
Depois disso, pensei durante sonhos e sonhos,
de onde seriam aqueles meninos tão feios,
[tão magros e pobres,
e que país era esse tal Realidade
onde as crianças não tinham infância nem sonhos azuis!
Então, depois, o despertador que andar faz o tempo,
me acordou (com desagradáveis ruídos) dos sonhos
[que sonhava,
e dona Vida entrou pelo meu quarto sem pedir licença,
levando (“Só para lhe dar uma lição, danado”!)
[meus papais noéis,
meu Anjo da Guarda e tudo mais que os adultos
[diziam que existia...
Esqueci estas coisas (pra não dar gosto a ela),
abri uma janela e deixei entrar a luz.
Então olhei para fora de mim,
e vi, como nunca tinha visto antes:
crianças pobres, paradas-pálidas no meu quintal
comendo lixo com os urubus...
Eu vi, e descobri
que meu quintal estava na Realidade,
que era o meu país...
A Realidade era o meu país,
e eu não sabia!
Eu vi um dia...
Hoje eu sei que Realidade é o meu país...
segunda-feira, 16 de abril de 2007
domingo, 15 de abril de 2007
Réquiem
Não temos mais armas —
nas mãos, apenas as máscaras
com as quais disfarçamos
a nossa covardia...
Não temos mais ética,
nem decência,
a cara limpa...
Não temos futuro.
Não temos nada.
Na verdade mal temos sonhos
(que profundo sono...).
Somos os herdeiros
da guerra perdida.
Somos esta geração a qual só resta
sentar à beira da estrada
e olhar o passar da vida
— ou o passar da morte.
05/08/92
sábado, 14 de abril de 2007
Verso maior
[Despedida]
Eu parto com o ar
— sacudo minha neve branca ao sol que foge;
Desfaço minha carne em redemoinhos de espuma,
Entrego-me ao pó para crescer nas ervas que amo;
Se queres ver-me novamente, procura-me sob teus
[sapatos.
Dificilmente saberás quem sou ou o que significo;
No entanto serei para ti boa saúde
E filtrarei e comporei teu sangue.
E se não conseguires encontrar-me, não desanimes:
O que não está numa parte está noutra;
Nalgum lugar estarei à tua espera.
Walt Whitman*
*poeta norte-americano (1819-1892); fragmento do livro Folhas da relva.
Do livro "Ruas e rios" (continuação)
Pelo caminho da Verdade
É chegada uma curva do caminho
onde até as pedras são inúteis,
e a Poesia, a cada passo, vai
se descosturando —
de fora para dentro.
Depois, é preciso ter o cinismo de saber
que a mão sempre se acomodará na luva:
mesmo que amputemos os dedos,
e que todos os frutos estão
amadurecidos
— podres inevitavelmente...
Então, só resta,
nas brumas do passado,
uma criança que acena, distante
na decepção...
Erosão
Ontem,
vinha um punhado de versos
como um bando macio de nuvens —
mas bateu-lhes a ventania...
E caíram, esparsos, como um punhado de letras,
como se fosse aquela chuva inútil que caía.
Ah, sempre a mesma luta de elementos,
sempre este mesmo incansável vento
a bater a delicadeza de encontro
ao mesmo muro torto de cimento.
Sempre este mesmo papel áspero
a tornar em calos
a mão que o acaricia...
Sempre, sempre este vento,
esta chuva,
a fazer a erosão,
a tornar árido-inútil o ser Poeta
e a encher de mais desertos
este Deserto de Ilusão.
sexta-feira, 13 de abril de 2007
Essa inutilidade
Na madrugada calma,
(lá fora, a noite dura)
dentro ainda do seu solitário quarto,
o Poeta, insone, ainda busca
uma rima...
Mas o verso não vem.
As palavras morrem.
As palavras,
sabedoras de sua grande inutilidade,
morrem,
sorrindo como suicidas
(lá fora, um mundo torto gira).
Mas o Poeta, insone, ainda busca
uma rima certa...
Só ele sente a dor
das palavras que não vêm
e morrem.
As palavras não:
morrem felizes, virgens, puras.
Sem a contaminação da língua,
sem a vaidade áspera do papel,
sem a ambição efêmera da tinta,
sem a monotonia reta das linhas
(lá fora, a noite dura).
Mas o Poeta ainda assim persegue
uma rima amável...
Por quê?
Não sabe da grande inutilidade
das palavras
como as palavras sabem.
E assim, as palavras vão morrendo,
felizes,
deixando o mundo torto a girar sempre
e o Poeta dentro do grande mundo
torto
a girar insone...
quarta-feira, 11 de abril de 2007
Ultimus
Antes, acreditar na força das palavras.
Agora, buscar migalhas de versos
submersos em brumas, que o tempo conspira.
(Num futuro possível uma criança escutará,
e diremos: “Houve um tempo de poesia
que eu escrevia”...).
Ontem, acreditar na força do poema
(o verbo, uma chama transformando as linhas brancas).
Hoje, vislumbrar a possibilidade de vir a ser
mais um protótipo fracassado da utopia possível...
A poesia morre, está morrendo
(como uma chama...).
Algo morreu nas ruas e não vimos...
Perdemos os olhos num cansaço previsível.
Não vimos.
Ninguém viu.
Ninguém nunca vê.
Ninguém nunca ouve...
E os versos vão morrendo
(como uma chama...)
— e a cidade fria
cobrindo-se mais e mais de brumas.
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