Aqui, versos prontos para viagens várias, para navegantes ou para transeuntes que, do cais, podem vislumbrar a paisagem... Por que a poesia é o outro lado da aridez, tentativa da construção do sonho, mesmo a partir da adversidade; sonho colhido nas palavras dos mestres, empreendimento sempre a ser compartilhado com o outro. Podem içar as velas...
sábado, 28 de novembro de 2015
Francisco Araújo no Programa "Café com Poesia" - Bloco 1
Bloco 2
segunda-feira, 12 de outubro de 2015
Poemas do livro "Folhedo" (Continuação)
Iluminação
Acreditou,
como um louco.
Acreditou
nas boas intenções das revoluções,
na
honestidade das ideologias,
nos
bons propósitos dos literatos,
na
pureza das mulheres,
naquela
desinteressada Verdade dos filósofos,
e nos
poetas, ah sim, nos poetas...
Até
em Deus, este ser incerto e tão distante,
nas
suas noites de demência, contritamente, acreditou.
Não o
avisaram do Jogo.
Não
disseram que não era bem assim.
Não
disseram, não disseram, desgraçadamente.
E
ele, oh, como um louco, ingenuamente, fez disso tudo
a sua
Fé.
De
modo que ei-lo aqui, lúcido e desperto,
perdido
nesta encruzilhada.
Perdido
no mundo, perdido para o mundo, covardemente
[persistindo.
[persistindo.
Inútil,
sem rumo, sem nenhuma esperança, só, sem nada.
Sem a
coragem dos maus ou a grandeza dos santos...
E no
silêncio das madrugadas,
em
sua carruagem dourada,
só a
morte, envolta no seu negro manto,
tem
perpassado, constante, a acenar
com a
sua libertação-transmutação, absoluta.
sábado, 19 de setembro de 2015
O Nada
Achei-me
um Deus,
e do
alto da minha perfeição vislumbrei desdenhoso
a
humanidade imperfeita, egoísta e rastejante
nas
profundezas escuras de um abismo sem fim.
Caí.
E a
grande perfeição estava no fundo
como
realmente era: uma grande imperfeição...
Ponderei:
um verdadeiro deus não se olha no espelho
nem
se sabe deus e perfeitíssimo.
Um
verdadeiro deus é, e se contenta em não ser.
Achei-me,
então, humano,
com
todos os defeitos, micróbios e bacilos
a
corroer-me como o tempo.
Vislumbrei-me
rastejante, imperfeito e egoísta
nas
profundezas lodosas de um abismo
a
espera de um deus imaginário que do alto da sua perfeição
estendesse
sua mão para salvar-me.
Achei-me,
por fim, diante destas novas, estupendas, medíocres,
velhas
e dolorosas constatações...
Quis
a fuga,
quis
a reta,
quis
um muro construído entre uma e outra escolha;
quis
uma tênue linha separando-as,
uma
linha infinita onde tentei equilibrar-me.
Caí.
O meu ridículo plano esbarrou na presunção
Caí.
O meu ridículo plano esbarrou na presunção
de
que poderia manter-me de pé como um divino
e
perfeitíssimo equilibrista,
e na
própria necessidade humana
de
ter de usar os pés para equilibrar-me.
(E
eis que várias vezes me flagro
andando
medíocre e altivo em um dos lados do muro).
Quis
enganar-me,
quis
a calma de um sono eterno e impossível,
quis
o terror de uma insônia infinda...
Só
não consegui fugir da busca necessária e dolorosa de uma solução.
E ela veio:
verde
como uma esperança;
uma
tênue, retilínea e infinita esperança onde
me
pendurei com toda a força tenebrosa de um verme
e a
fraqueza medíocre de um deus.
E
esta foi a certeza de que não deve haver muros
nem
linhas entre o humano e o divino,
posto
que ambas as partes que formam o Grande Todo,
– e o
Grande Nada também,
o
Grande Todo onde tudo vira Nada,
onde
do Nada aparente surge Tudo,
num
ciclo eterno e maravilhoso de átomos e matéria,
onde
nada se perde a não ser a forma,
a
perfeição, a mediocridade e a dor –
permanece
onde nunca se dispersa a certeza inefável e terrível
de
que todos iremos para Ele
e a
Fé inabalável de estarem certas todas as certezas.
sábado, 25 de julho de 2015
A Severa Voz
Ó vós, que
açoitais o ermo das madrugadas,
quem vos
autorizou o canto?
Pobre,
obtuso, lerdo para o êxito nos lidames
do vosso
prosaico dia (sórdido palco em que habitas),
eis que já
dura por demais a vossa altiva récita.
Muitos,
mesmo dentre os vossos pares, ensurdeceram...
Morto vosso
pai, vossos tios, vossos avós
– raízes
desentranhadas, vendaval, quem sois?
O tempo
vil, a fome, este pesado corpo,
a vida
vilã, roubaram lentos
a luz que
houve um dia em vossa fronte.
Tão frio,
escasso – o vosso coração – dói ainda:
uma brasa
quase morta.
Ainda
tendes o direito?
Trazeis
ainda a senha?
(Além, há
silêncio sobre as papoulas plácidas,
pingos de
estrelas nas calçadas
e um
hipocampo rubro acaba de cruzar o céu
sob olhar
dos abismados astros – vedes?).
Ah, é
preciso ser mais louco...
Irmãos,
companheiros neste parco-inútil alarido:
vede, como
é desumano cantar qualquer canto
– como
mentimos!
O que
responder:
mais
verdadeiro ficarmos mudos.
terça-feira, 16 de junho de 2015
Outras navegações
"O beijo dos palhaços", óleo sobre tela do artista plástico sergipano (Neópolis-SE) Deolando Vieira.
terça-feira, 2 de junho de 2015
Poemas do livro "Folhedo" (Continuação)
Inquirição da Musa
Musa,
por que vens perturbar minhas madrugadas?
Musa,
submerso na noite, há pouco eu dormia, profundamente,
e
sequer sonhava;
Musa,
por que então, sorrateira, insinua-se a tua voz
em
meu repouso, a me exigir o verso?
Musa,
o mundo há muito jaz perdido e nada do que eu escreva
mudará
esta verdade;
Musa,
ontem havia pessoas morrendo nas calçadas – de fome,
de
frio e de falta de vontade – e eu estava por demais apressado,
sobrevivendo,
como todos os outros, para sequer me dignar a
[olhá-las;
[olhá-las;
Musa,
como posso então e ainda erguer esta covarde pena
para
falar de igualdades?
Musa,
nesse exato momento, suspeito já do que disse – por ter dito
apenas para não calar, pois pedir desculpa me tranquiliza
[a consciência;
[a consciência;
Musa,
há muito tempo me conheço por demais
para
mentir para mim mesmo – e descreio de tudo, e continuo...
Musa,
eu: um cínico, há muito tempo...
Como
podes (e como posso) ainda assim crer em mim, Musa?
Musa,
de onde vens?
Por
que eu escolhido para quebrar o frio e calmo silêncio
desta
enorme sonolência?
Musa,
da tua ingenuidade, quem te ampara?
Musa,
quem me livrará da tentação de escrever estas palavras
apenas
para elevar-me para além dos outros?
Musa,
há muito tempo suspeito que é assim, e nada,
nada
me consola o nojo;
Musa
por que devo ser eu esse falador inútil, a impregnar
os outros com esta minha importuna mesquinha tristeza
[verborrágica?
[verborrágica?
Musa,
vê, já a manhã desponta por entre as frestas do telhado
e
logo será preciso erguer-me para encarar a vida. Então Musa,
o que
serei amanhã?
Musa,
amanhã estes versos risíveis talvez me insultem
apenas
a ironia e nada de meu reconhecerei neles.
Musa,
por vingança, eu posso rasgar esta página
que
em silêncio subtraíste já do meu tranquilo sono.
Musa,
voltarás amanhã?
Pois
que voltes.
Volta,
volta. Serás bem-vinda.
E
para que esta tua visita não seja de todo inútil
eu te
digo:
estou
só no mundo,
sou
fraco
– e
esta tua indesejada companhia
é só
o que me salva.
sábado, 2 de maio de 2015
Poema para um amor futuro
Não
hei-de ser perfeito.
Nem
nada há em mim de encantado.
Na
verdade, pesa sobre mim o peso da realidade
e
jazem sobre o meu corpo as marcas
de
todas as ilusões desfeitas,
de
todas as quedas e cansaços...
Hei,
entanto, de ser o que mais te ama,
e
leve, a minha alma, por te amar tanto.
segunda-feira, 6 de abril de 2015
Ah,
Mar...
a
noite é tão breve...
e
são tantos, tantos, todos os poemas
que
ainda tenho que escrever.
Não
entendes, eu sei:
és
Mar,
e
os mares nada precisam saber.
Um
Mar é eterno,
tem
todas as noites e todos os versos
de
todos os tempos do mundo
–
e eu sou apenas um poeta que te olha e se perde
nas
ondas da busca tortuosa de uma inspiração.
Se
ao menos soubesse nadar...
me
jogaria nos braços macios de tuas águas de pele;
se
ao menos tu me deixasses dormir
no
teu colo morno de areia,
e
cantasses só pra mim uma canção de tuas ondas;
se
ao menos tu me desses as tuas mãos...
correríamos
de mãos dadas pelas ruas dessa noite
como
duas crianças,
e
voaríamos por estes céus como duas aves oceânicas...
Mas
és Mar,
a
noite breve
e
eu te olho poeta apenas.
Logo
a manhã chegará tristonha e fria
e
eu estou só...
sábado, 7 de fevereiro de 2015
terça-feira, 20 de janeiro de 2015
Palavra
Para o poeta Luciano Rocha.
As palavras são caridosas:
sua frágil realidade nos engana
e nos consola.
E.
M. Cioransua frágil realidade nos engana
e nos consola.
Disseram-me: a palavra é o poeta.
O poeta não.
Então, que a tua palavra, ao menos,
vá, cresça, prossiga, destruidora
de todos os teus muros, irmão...
Independente da tua boca limitada
que pronuncia e que constrange;
independente dessa miserável comédia
que somos.
11.01.94
quinta-feira, 1 de janeiro de 2015
Verso maior
Cabeça
Companheiros,
aqui está minha
cabeça.
Além dos telegramas, dos jornais, dos partidos,
não sei se valerá
mais que uma laranja;
talvez seja inútil
até mesmo para o inimigo.
Mas é a única
coisa que vos ofereço.
Se houver alguma
luz, utilizai-a;
talvez sirva
apenas para marcar o caminho
como uma pedra.
Não julgueis que a valorizo, seu único valor
é não ter preço;
ninguém a
comprará, ela nada valerá
e por isso ficará
no chão, enterrada no chão
como uma pedra.
Companheiros, aqui está minha cabeça.
Companheiros, aqui está minha cabeça.
Dela nasce e escorre este filete insignificante:
talvez seja poesia.
J. G. de Araújo Jorge*
*poeta acriano (1914-1987),
considerado, apesar de ser um dos poetas mais populares e que mais vendeu
livros na história da literatura brasileira, um poeta menor; poema incluído no
livro “Canções”.
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