quinta-feira, 4 de outubro de 2018


Penedo naufragado


Era um ninho soberbo de condores,
A terra onde eu nasci.
Terra Morta, Sabino Romariz (em 1908)

No Alto mar,
reclinado na varanda das nuvens
- como só os albatrozes lograriam -
distingue ele o Penedo:
calhau impávido, a cabeça altiva,
ergue-se diante das ondas
que em seu derredor estrondeiam.

No Alto mar,
mas no Mar das encrespadas águas do Tempo,
neste oceano, agitado, que a História é
- é lá, é lá, que a penedia, solidamente, se finca.

E ele a vislumbra:
pedra monolítica, íntegra, a rasgar as vagas,
beleza urdida por uma raça de homens grandes
-Titãs, gigantes de luz, de dons, de ideais, de venturoso devir.

No Alto mar,
então, essa pedra, ele bem vê
- em torno da qual a vida explode,
volteiam gaivotas, evoluem os seres e tudo,
tudo é um bailado, de sons, de odores,
de visões, de céus azuis.

Entanto, sem prévio presságio, eis que a mais negra escuridão
abate-se, despenca, sobre o olhar do vidente:
turvam-se as nuvens, decai a altura
- submerge o Penedo naquele Mar onde jazia,
como uma página emborcada, como uma hora que passou.

Ó deuses, ó santos, ó mestres, quem por ventura saiba,
onde principia, onde finda, esse Penedo agora naufragado?
Onde a grandeza, tudo o que era bom e nobre e sólido e alto?
Onde a força que o ergueu por sobre as águas?
Onde o poder atroz que o arrastou para as profundas?

No Alto mar,
não mais no Alto mar,
- mas na praia baixa e vazia -
lança ele o olhar em busca apenas de perguntas.
Preso à areia, sem asas, as vestes rotas, indaga aos navegantes
e aos pescadores, a todos que naquele Mar se aventure,
indaga ele sobre aquele Penedo que seus olhos viram,
sobre a morte daquilo que foi belo, mágico, inteiro.

Mas o Tempo nada responde.
Não sabe ninguém de tal catástrofe.
Ninguém vê, ninguém recorda, ninguém alcança.
E o Mar da vida prossegue, infinito, imutável, mesquinho, plácido.
Só ele, na praia erma, chora a perda do que nunca foi seu.
Só ele a duvidar, se houve Penedo, se grandeza houve, se ele há.
Só ele a afundar, porque não sabe, não sabe mais:
o que foi, o que é, o que será.   
E ele só, finda no areal, a escrever versos, naufragando
- único naufrágio que houve.

Penedo, 22.03.2006

sexta-feira, 13 de julho de 2018

Outras navegações

Poema "Elegia 1938", de Carlos Drummond de Andrade. Recitação: Caetano Veloso.

quinta-feira, 31 de maio de 2018

Poemas do livro "Folhedo" (Continuação)












Da solidão dos seres

A dor do ser só
é como a dor que flui naquele rio
– eternamente a correr para o mar:
imutável, monótono, ao pé daquela montanha.

A dor do ser só
é como a dor que naquela montanha dói
– indestrutivelmente estática sob o Sol.

A dor do ser só
é como a dor que o Sol sente
– ano após ano queimando dentro dele
para iluminar meros planetas.

A dor humana do existir é passageira sim:
eterna é a dor das coisas eternas
– imutável, estática, indestrutível.

Mas os seres eternos, como o Sol
não sentem dores, decerto:
só quem os observa sente neles dores suas.
Dores de recordações, dores da sua solidão
– que não os seres e sim eles sentem.

A dor passageira do ser só
dói mais do que a dor eterna
de nada sentir.

sábado, 28 de abril de 2018



            Dor, Senhor

               Não, não creio.

               Tenho tido algumas certezas,
               quase nenhuma esperança
               – tem sido pouca a minha dor.

               Por isso, não creio.

               (Como dizia, certo, Pessoa:
                nos manicômios, nas masmorras,
                nos templos, nas seitas
                – existem tantos sofredores
                cheios de todas as certezas,
                de tanta esperança...).

                Não.
                Tenho varado noites insone,
                erguido sonhos,
                (ai de mim, buscado a Verdade)
                construído castelos de areia à beira-mar.
                Eu, tenho sido feliz.
                Tem sido pouca a minha dor.

                Por isso, empedernidamente, ainda não creio.