Meu Hino
Não as tuas palavras, etéreas e descarnadas,
tão distantes do meu
ínfimo dia-a-dia.
Nem uma comoção,
lampejo, elevação
na tua sintaxe que se
quer perfeita, como uma destas utopias
sepultadas na poeira
das décadas.
Não a tua melodia,
minueto francês, valsa vienense
sem sangue, tronco,
senzala, carnaval, quilombo, taba.
Nem uma emoção,
deslumbre, contrição
na tua partitura exata,
mofo dos faustos imperiais.
Nada, nada disto me
comove em ti, Hino do meu país.
E no entanto lacrimejam-me
os olhos ao ouvi-lo:
antes do último jogo,
Seleção perfilada;
depois da última
medalha, um de nós no pódio mais alto;
após o pleito, vitória
da próxima esperança a ser mutilada...
Desconcertadamente,
aquele embargo na voz,
aquela opressão no
peito, frio nas mãos
– quando te ouço, meu
Hino.
Por certo não choro em
ti a última cassação do ACM;
o
óbvio FMI, esta violência, esta bandalheira que passivamente sustentamos;
teus
meninos nus, tua fome, a mais medíocre das elites, teus latifúndios;
teu Presidente
metalúrgico, perdido
entre as minúcias do
joguinho do Poder
e
a grandeza dos milhares de sonhos, Pátria justa, Mundo melhor,
que muitos sonhamos.
Mas lacrimejam-me os
olhos...
Caso patológico,
projeção de dores minhas,
cinismo, ingenuidade,
desperdício?
Ridículo dizer, vejo o
meu país ao ouvi-lo, meu Hino.
Não este em que vivo,
este por demais conhecido.
Mas um outro que virá,
quando não sei.
Aquele que poderia ser,
e não é.
Aquele que nunca foi, e
talvez nunca será.
E no entanto vive em
meus sonhos.
Sobrevive dentro do meu
peito
como um membro amputado
sobrevive na memória do corpo.
Como
dói sonhar assim, quando a realidade, demente, nos desmente.
Quando
as utopias estão morrendo, e ainda assim é preciso insistir...
Porque creio, como uma
sina, e porque mereces
– só por isso, choro ao
ouvi-lo, Hino do meu país.
29.09.2003