sábado, 21 de fevereiro de 2009


       Este (outro) paradoxo

                Estas palavras,
                escondem a dor.
                Sim, são também disfarces.
                Milenarmente têm pensado
                a indiferença da pólis,
                ao expor-lhe as feridas.

                (Oh vontade sádica e santa
                de incinerá-las
                e deixar a cidade morrer desolada...)

                Mas é que, existe uma vocação
                para a covardia em quem escreve
                e que o suicídio proscreve.

sábado, 14 de fevereiro de 2009


Última estrela
 
Argonauta da Pobre Deusa,
Do cais partido fiz-me ao mar.
E na noite alta vi nascer,
Por sobre o mastro solene
Da minha nau triste,
Ó minha estrela guiante, a tua luz.

Sim, foste o meu rumo e meu porto,
Meu abrigo, minha nobreza e salvação,
Archote heráldico a luziluzir no breu abissal.
Meu continente e meu levante,
Meu astrolábio, minha esperança e oblação,
Foste o pórtico altivo a fulgurar, lá no poente.

E assim, em meio às tétricas vagas elevadas,
Com minhas mãos frágeis e distantes,
Quantas vezes não tentei protegê-la
Das andantes negras nuvens sublevadas;
Quantas vezes, com voz débil e bailados loucos,
Não conjurei, na noite, a não obscurecê-la, a lua
E, ao meio-dia, a não apagá-la, o sol?

Contudo, caíste
Caíste e caíste, ó minha estrela...
Quando se deu tal prodígio,
Como foi possível empanar-se o teu fulgor?
Pois não foram as procelas, nem nuvens
Nem sol letal, nem lua tirana
Ou nada que me venha da fora noite:
Foi em mim que estás morrendo...
E por motivos tantos e por tão pouco,
Por muito longa navegação,
Por saber-me apenas mais um navegante
E pela imperícia da tripulação que tenho
– Capitão, marujo, escrivão, gajeiro – sido.

Ulisses-quase-náufrago,
Abandonado aos ventos e às calmarias,
Eis-me aqui por fim, a escurecer por dentro,
A aguardar indiferente rochedos altos,
E ilhas traiçoeiras dos mapas ocultos
Que possam fazer em pedaços o que resta
Desta nave inútil.

Ó musas,
Musas todas que velais do alto
Este naufrágio lento,
Dai-me, por misericórdia, finalmente
A escuridão do meu silêncio...

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Outras navegações


         Na verdade, o homem não busca nem o prazer nem a dor, mas sim apenas a vida. O homem procura viver intensamente, completamente, perfeitamente. Quando conseguir fazer isto sem lesar a liberdade alheia e sem nunca ser lesado, quando todas as suas atividades só lhe proporcionarem satisfação, ele será mais saudável, mais normal, mais civilizado, mais si mesmo. A felicidade é a medida pela qual o homem julga a natureza e avalia até que ponto está em harmonia consigo mesmo e com o ambiente.

                 Oscar Wilde (1854-1900), in “Aforismos”.