sábado, 19 de setembro de 2015














O Nada

Achei-me um Deus,
e do alto da minha perfeição vislumbrei desdenhoso
a humanidade imperfeita, egoísta e rastejante
nas profundezas escuras de um abismo sem fim.
Caí.
E a grande perfeição estava no fundo
como realmente era: uma grande imperfeição...
Ponderei: um verdadeiro deus não se olha no espelho
nem se sabe deus e perfeitíssimo.
Um verdadeiro deus é, e se contenta em não ser.
Achei-me, então, humano,
com todos os defeitos, micróbios e bacilos
a corroer-me como o tempo.
Vislumbrei-me rastejante, imperfeito e egoísta
nas profundezas lodosas de um abismo
a espera de um deus imaginário que do alto da sua perfeição
estendesse sua mão para salvar-me.
Achei-me, por fim, diante destas novas, estupendas, medíocres,
velhas e dolorosas constatações...
Quis a fuga,
quis a reta,
quis um muro construído entre uma e outra escolha;
quis uma tênue linha separando-as,
uma linha infinita onde tentei equilibrar-me.
Caí.
O meu ridículo plano esbarrou na presunção
de que poderia manter-me de pé como um divino
e perfeitíssimo equilibrista,
e na própria necessidade humana
de ter de usar os pés para equilibrar-me.
(E eis que várias vezes me flagro
andando medíocre e altivo em um dos lados do muro).
Quis enganar-me,
quis a calma de um sono eterno e impossível,
quis o terror de uma insônia infinda...
Só não consegui fugir da busca necessária e dolorosa de uma solução.

E ela veio:
verde como uma esperança;
uma tênue, retilínea e infinita esperança onde
me pendurei com toda a força tenebrosa de um verme
e a fraqueza medíocre de um deus.
E esta foi a certeza de que não deve haver muros
nem linhas entre o humano e o divino,
posto que ambas as partes que formam o Grande Todo,
– e o Grande Nada também,
o Grande Todo onde tudo vira Nada,
onde do Nada aparente surge Tudo,
num ciclo eterno e maravilhoso de átomos e matéria,
onde nada se perde a não ser a forma,
a perfeição, a mediocridade e a dor –
permanece onde nunca se dispersa a certeza inefável e terrível
de que todos iremos para Ele
e a Fé inabalável de estarem certas todas as certezas.