O Nada
Achei-me
um Deus,
e do
alto da minha perfeição vislumbrei desdenhoso
a
humanidade imperfeita, egoísta e rastejante
nas
profundezas escuras de um abismo sem fim.
Caí.
E a
grande perfeição estava no fundo
como
realmente era: uma grande imperfeição...
Ponderei:
um verdadeiro deus não se olha no espelho
nem
se sabe deus e perfeitíssimo.
Um
verdadeiro deus é, e se contenta em não ser.
Achei-me,
então, humano,
com
todos os defeitos, micróbios e bacilos
a
corroer-me como o tempo.
Vislumbrei-me
rastejante, imperfeito e egoísta
nas
profundezas lodosas de um abismo
a
espera de um deus imaginário que do alto da sua perfeição
estendesse
sua mão para salvar-me.
Achei-me,
por fim, diante destas novas, estupendas, medíocres,
velhas
e dolorosas constatações...
Quis
a fuga,
quis
a reta,
quis
um muro construído entre uma e outra escolha;
quis
uma tênue linha separando-as,
uma
linha infinita onde tentei equilibrar-me.
Caí.
O meu ridículo plano esbarrou na presunção
Caí.
O meu ridículo plano esbarrou na presunção
de
que poderia manter-me de pé como um divino
e
perfeitíssimo equilibrista,
e na
própria necessidade humana
de
ter de usar os pés para equilibrar-me.
(E
eis que várias vezes me flagro
andando
medíocre e altivo em um dos lados do muro).
Quis
enganar-me,
quis
a calma de um sono eterno e impossível,
quis
o terror de uma insônia infinda...
Só
não consegui fugir da busca necessária e dolorosa de uma solução.
E ela veio:
verde
como uma esperança;
uma
tênue, retilínea e infinita esperança onde
me
pendurei com toda a força tenebrosa de um verme
e a
fraqueza medíocre de um deus.
E
esta foi a certeza de que não deve haver muros
nem
linhas entre o humano e o divino,
posto
que ambas as partes que formam o Grande Todo,
– e o
Grande Nada também,
o
Grande Todo onde tudo vira Nada,
onde
do Nada aparente surge Tudo,
num
ciclo eterno e maravilhoso de átomos e matéria,
onde
nada se perde a não ser a forma,
a
perfeição, a mediocridade e a dor –
permanece
onde nunca se dispersa a certeza inefável e terrível
de
que todos iremos para Ele
e a
Fé inabalável de estarem certas todas as certezas.