sábado, 4 de julho de 2009

Poemas do livro "Beco e labirinto" (2004)












Capa do livro "Beco e labirinto";
concepção gráfica do autor


Um pássaro poeticamente preso

              O livro Beco e labirinto, de Francisco Araújo Filho, é uma obra que chega madura a meus olhos. Os quarenta e seis poemas [...] traem uma inequívoca habilidade para articular a tradição e a modernidade, no melhor sentido que ambos os termos podem apresentar. Tradição como consciência histórica do passado e novidade como um olhar atual sobre esse ontem necessário.
       Francisco Araújo é um poeta consciente da tradição em que se inscreve: em seus versos, passeiam referências mitológicas e valores greco-latinos. Mas ele é, igualmente, o poeta que compõe um discurso que, no hoje das formas e valores, observa a tradição da paisagem e dos seres modificar-se e esvair-se.
       .................................
       [...] gostei de ler seus poemas; um bom poeta é, sempre, bem-vindo; sinal de que as palavras continuam vivas, a poesia forte e o cenário sem tantas ruínas.
 
Profª Vera Romariz*

*Trechos do prefácio do livro "Beco e labirinto"; prefácio de autoria da Professora Vera Romariz (Doutora em Literatura pela Universidade Federal de Alagoas - UFAL).

sábado, 21 de março de 2009


      Da eterna Dor, e da eterna Ira

Temer a morte, fugir à morte!
Sabino Romariz

         Novamente, venho morrer
         a mesma morte insistente.

         É preciso morrer, lentamente,
         me dizem...
         Então eu morro,
         mil vezes, tantas vezes quanto
         as vossas paciências acharem possíveis.

         Mesmo sabendo que essa minha morte,
         assim inútil, a ninguém incomoda,
         eu morrerei ainda mais um pouco...

         E nos momentos funéreos,
         o meu sorriso de escárnio
         (ah, o doce sabor da consciência...)
         fará das minhas mortes, ao menos,
         (já que assim quereis a minha glória)
         acontecimentos bizarros, sublimes, diferentes
...

domingo, 8 de março de 2009


                         Calíope

             Vem, ó Calíope
             como uma mãe afagar estas frontes febris,
             reclinar no seu colo morno nossos cansaços,
             cobrir com o seu manto estas cabeças
             cansadas de sonhar tanto.
             Campos, paisagens, ideais, cânticos.
             Temos sido tantos, e temos vindo
             e morrido tanto, e fracassado tanto.
             Concretos-pop’s-práxis-beat’s-cordéis-caóticos.
             Vem, ó Calíope
             olhai por vossos filhos,
             olhai por nós, olhai por mim...
             E dai-nos delírios,
             para que possamos suportar a dor
             que gera os vossos Cânticos.

sábado, 21 de fevereiro de 2009


       Este (outro) paradoxo

                Estas palavras,
                escondem a dor.
                Sim, são também disfarces.
                Milenarmente têm pensado
                a indiferença da pólis,
                ao expor-lhe as feridas.

                (Oh vontade sádica e santa
                de incinerá-las
                e deixar a cidade morrer desolada...)

                Mas é que, existe uma vocação
                para a covardia em quem escreve
                e que o suicídio proscreve.

sábado, 14 de fevereiro de 2009


Última estrela
 
Argonauta da Pobre Deusa,
Do cais partido fiz-me ao mar.
E na noite alta vi nascer,
Por sobre o mastro solene
Da minha nau triste,
Ó minha estrela guiante, a tua luz.

Sim, foste o meu rumo e meu porto,
Meu abrigo, minha nobreza e salvação,
Archote heráldico a luziluzir no breu abissal.
Meu continente e meu levante,
Meu astrolábio, minha esperança e oblação,
Foste o pórtico altivo a fulgurar, lá no poente.

E assim, em meio às tétricas vagas elevadas,
Com minhas mãos frágeis e distantes,
Quantas vezes não tentei protegê-la
Das andantes negras nuvens sublevadas;
Quantas vezes, com voz débil e bailados loucos,
Não conjurei, na noite, a não obscurecê-la, a lua
E, ao meio-dia, a não apagá-la, o sol?

Contudo, caíste
Caíste e caíste, ó minha estrela...
Quando se deu tal prodígio,
Como foi possível empanar-se o teu fulgor?
Pois não foram as procelas, nem nuvens
Nem sol letal, nem lua tirana
Ou nada que me venha da fora noite:
Foi em mim que estás morrendo...
E por motivos tantos e por tão pouco,
Por muito longa navegação,
Por saber-me apenas mais um navegante
E pela imperícia da tripulação que tenho
– Capitão, marujo, escrivão, gajeiro – sido.

Ulisses-quase-náufrago,
Abandonado aos ventos e às calmarias,
Eis-me aqui por fim, a escurecer por dentro,
A aguardar indiferente rochedos altos,
E ilhas traiçoeiras dos mapas ocultos
Que possam fazer em pedaços o que resta
Desta nave inútil.

Ó musas,
Musas todas que velais do alto
Este naufrágio lento,
Dai-me, por misericórdia, finalmente
A escuridão do meu silêncio...

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Outras navegações


         Na verdade, o homem não busca nem o prazer nem a dor, mas sim apenas a vida. O homem procura viver intensamente, completamente, perfeitamente. Quando conseguir fazer isto sem lesar a liberdade alheia e sem nunca ser lesado, quando todas as suas atividades só lhe proporcionarem satisfação, ele será mais saudável, mais normal, mais civilizado, mais si mesmo. A felicidade é a medida pela qual o homem julga a natureza e avalia até que ponto está em harmonia consigo mesmo e com o ambiente.

                 Oscar Wilde (1854-1900), in “Aforismos”.

sábado, 31 de janeiro de 2009

Do livro "Beco e labirinto" (continuação)


     Poema do Poeta e a Musa

               A Musa,
               do alto de seu arbítrio,
               vendo o Poeta, indolente, reclinado,
               jogou-lhe das alturas sua sentença:

                – Ó relapso filho e dileto,
                hoje não terás poesia.
                Para ti hoje, filas demoradas,
                promissórias, requerimentos...
                O teu mais duro cotidiano.
                Apenas.

                E o Poeta,
                abatido, foi bater-se com a vida,
                sem ao menos um verso
                para entorpecê-lo ao romper
                da madrugada, e da insônia
                que o fustiga.

sábado, 24 de janeiro de 2009


     Poema da Musa e o Poeta

     O Poeta,
     foi bater-se com a vida:
     filas demoradas, promissórias, requerimentos...
     No seu mais duro cotidiano, por fim, perdeu-se.

     Enquanto, porém, o Poeta
     esquecia assim, relapso, a poesia,
     a Musa, jazia esquecida, agonizante,
     e morrendo, desfazia-se
     em redemoinhos de fumaça.

     Eis entanto,
     que tendo chegado a noite e o cansaço,
     o Poeta, o servo triste,
     viu, talvez num devaneio, a agonia
     e a agonia da Musa, que morria...

     O Poeta,
     por fim, tomado de pena,
     trôpego, erguendo-se,
     foi escrever, ainda assim,
     estes versos tristes:
     para que a Musa não morresse.

sábado, 17 de janeiro de 2009


                      Intermezzo

          Um pequeno quarto:
          os objetos metodicamente dispostos
          sabem de cor os seus espaços.
          Ou, talvez, uma máquina terna:
          uma velha caixinha de música
          a tocar uma velha valsa triste...

          Assim é o mundo do poeta.
          O velho pai que parte,
          uma nova musa que faz morada...
          e jaz em caos o velho quarto tranqüilo,

          eis emperrada a velha máquina de chorar versos.

sábado, 3 de janeiro de 2009


                                 Exilium

                            Quando se deu a expulsão,
                            não se sabe
                            (foi elevando-se
                            como uma nave cadente).
                            Agora vislumbra,
                            do alto da sua queda,
                            o mundo externo e girante
                            da humanidade prosaica.
                            Inutilmente, daqui, pondera
                            seu movimento perfeito
                            (ó felicidade cotidiana,
                            tão desejada ainda...).
                            Entre o desespero
                            e a dor recíproca da indiferença,
                            gravita na atmosfera
                            nefelibata.