Aqui, versos prontos para viagens várias, para navegantes ou para transeuntes que, do cais, podem vislumbrar a paisagem... Por que a poesia é o outro lado da aridez, tentativa da construção do sonho, mesmo a partir da adversidade; sonho colhido nas palavras dos mestres, empreendimento sempre a ser compartilhado com o outro. Podem içar as velas...
domingo, 17 de junho de 2007
O circo*
A dor?
Trazer sempre um circo na cara.
Ser como os palhaços, os mágicos:
sorrir, e sorrir sempre
— enquanto a alma é dormente.
Saber dizer o porquê da queda dolorosa do trapezista
que na alma habita?
Furar a lona.
Fazer um inventário impossível do circo-mundo talvez...
A queda não tem lógica.
A dor é.
Ah, a qualidade do espetáculo...
A platéia precisa de sangue —
e o palhaço do riso.
Sorrir para os que nos olham do alto como os trapezistas.
Dos que tentam devorar-nos como as feras...
O espetáculo não pára, é como o tempo.
A dor?
A escuridão é tão cômica...
É só olhá-la bem de perto, quando o elenco se vai
e no palco o espetáculo é o próprio Eu:
o momento inevitável de ser o show
— o palhaço-vizinho comedor de crianças
— o mágico que faz sumir o alheio para sobreviver
— o trapezista míope de tombos tantos
— o domador covarde que foge das feras
— o público medíocre da platéia nos espera...
Uma espera sem fugas, seja qual for o lado em que se
[esteja.
É preciso não tremer no momento terrível e irremediável
— enfrentá-los a todos, a nós mesmos...
Ah, a qualidade do espetáculo...
Trazer sempre a cara nua e a alma clara.
Trazer a alma e a cara de uma forma ou de outra.
Ser como a dor, ser...
Sorrir, e sorrir sempre, do grande Circo que somos...
O espetáculo não pára.
Senhoras e Senhores:
sorriam...
*poema assinado sob o pseudônimo João da Rocha (um outro “eu” do autor,
de óbvia inspiração pessoana).
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