Oferenda
Para minha
mãe
Tenho atravessado todas as tempestades,
com um velado desprezo nos lábios:
por saber que tua mão carinhosa (de tão cansada)
aguarda todos os meus naufrágios.
Tenho enfrentado perigos, derrubado muros,
sem temor, com serena altivez:
por saber que mesmo que morresse,
mesmo morto, ainda assim, estarias me esperando.
Sim, tenho me cansado em lutas vãs,
tentado consertar o mundo, dedicado às causas
perdidas,
em nome do Inatingível, combatido moinhos de vento
–
e nem assim ensandecido: por saber que ao voltar,
bêbado e desvairado nas altas madrugadas,
tua voz cristalina me aguarda para chamar à
realidade.
E escuto: “Meu filho, siga sempre pelos caminhos
sem pedras nem espinhos”.
Ah, o velho mundo hostil
ninguém exime de suas armadilhas...
Sim, tenho sido indiferente, distante, ríspido:
tenho há muito deixado de beijar a tua face.
O que poderia eu te ofertar, então, que diante de
ti
tenha ainda alguma validade?
Desde a infância, tudo que tenho te trazido
são estas escoriações, estas lágrimas, lamentos –
as mesmas feridas de sempre, sempre por serem
[curadas.
[curadas.
Mas tenho, tenho posto no papel palavras como
estas:
fadadas ao desprezo de muitos, ao esquecimento.
Estas, são tuas. Toma-as em oferenda.
Sei que guardadas em teu coração estarão, ao menos,
salvas do tempo e do nada.
salvas do tempo e do nada.
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