Exercício de relax
Pé direito, meu velho, relaxa,
esquece a inflação,
esquece a inflação,
quero contigo iniciar
esta lenta descida no sono...
Mergulha nele, perna
minha, até o joelho... Assim...
E agora,
pé esquerdo,
você também, que nunca fez um gol na vida,
que só topadas deu,
adormece,
afrouxa esse feixe de tendões e ossos e te abre
à paz.
Joelhos meus, pensem
nos oitizeiros
da Avenida Silva Maia
e durmam,
e que as águas do sono subam pelos músculos da
coxa
adductor longus,
quadríceps femoris
e pelo fêmur
e pelo ânus
pelo pênis
e me cinjam a
cintura.
Deitado, já metade de mim desceu na sombra. A outra
metade
sofre ainda a crise do
petróleo.
Relaxa abdômen, que
está tudo sob controle,
[músculos
do peito e dos braços,
do peito e dos braços,
[abandonem-se,
para que a paz escorra até a palma da mão:
para que a paz escorra até a palma da mão:
a esquerda anônima, a direita
tão conhecida de mim
quanto meu rosto
e que, como ele,
mais disfarça
o que eu somos
o que eu sonos
mas quem, dentre as hostes celestes, me
reconheceria
pelo caralho?
Cala-te, boca,
silencia, maxilar arcaico,
apaga-te, arco voltaico
do que o verso não
diz.
E agora, tu, cabeça,
dura cabeça nordestina,
dorme,
dorme, revolta,
sociedade futura pátria igual,
poema que iluminaria a cidade.
Dorme
onde me sonho
(caixa de flores)
e donde espio o mundo
por duas órbitas
e duas pálpebras
que finalmente
se fecham
sobre mim.
Ferreira
Gullar*
*poeta maranhense (1930); poema do livro “Barulhos”.
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